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Agricultura em terra indígena: empreendedorismo regenerativo pode aumentar renda e frear ameaças à floresta

Dos cerca de 5,5 milhões de produtores agrícolas do Brasil, apenas 1,12% é indígena, segundo dados do Censo Agro, a principal investigação estatística e territorial sobre a produção agropecuária brasileira. Entre eles estão produtores do povo indígena Paiter Suruí, que em tupi-mondé significa “gente de verdade” ou “povo verdadeiro”.

Desde o primeiro contato com o homem branco, em 1969, muita coisa mudou nos seus modos de vida. Embora tenham preservado parte de sua cultura e práticas ancestrais, os habitantes da Terra Indígena Sete de Setembro, localizada na cidade de Cacoal, em Rondônia, herdaram práticas dos colonos – como a monocultura e a monetarização de suas relações a partir da circulação de dinheiro –, aceleradas pelo avanço da economia madeireira na região.

Ao longo dos anos, os paiter suruí também viram seu território sofrer com desmatamento, invasões, garimpos ilegais e tráfico de drogas. Pressionados pela falta de apoio e de recursos para atender às suas necessidades básicas, alguns indígenas passaram a arrendar terra para fazendeiros, mineradores e madeireiros, que ofertam dinheiro e bens, como carros, em troca da área. Quando a sedução pela moeda falha, apelam à força, com ameaças diretas. Resistir ao assédio e à pressão nem sempre é fácil.

“Na hora que a necessidade de um recurso financeiro vem de forma imediata, os valores culturais acabam sendo negociados”, diz Luciana Sonck, mestra em planejamento territorial, especialista em governança e CEO da consultoria Tewá 225. Ela coordena um estudo de fôlego sobre a população indígena Paíter Suruí, de Rondônia, que acena para a possibilidade de construir uma história de renovação, pautada na autonomia e soberania dos indígenas por meio empreendedorismo regenerativo.

A pesquisa, realizada em parceria com a reNature, consultoria que apoia produtores agrícolas e empresas na transição para a agricultura regenerativa, faz um diagnóstico socioambiental e econômico da Terra Indígena Sete de Setembro, considerando o cenário complexo de transformações dos últimos anos, marcados pela pandemia de Covid-19, aumento do desmatamento devido ao garimpo e ao arrendamento de terras para produtores não indígenas.

arrendamento de terra, uma problemática da região, facilita o avanço da motosserra sobre a vegetação nativa. Em 2021, o desmatamento na TI somou 8.724 hectares, representando cerca de 3,5% do total da área demarcada do território. Na ocasião, o governo Bolsonaro publicou uma atualização da normativa para licenciamento ambiental de atividades no interior de Terras Indígenas, o que abriu espaço para a produção agrícola por associações com produtores não indígenas. A instrução só foi revogada na gestão de Lula, tendo em vista o aumento do desmatamento e da invasão nessa áreas.

Após mais de 10 anos sem atualizações sobre a situação dos paiter suruí, o estudo aponta caminhos para o desenvolvimento de uma economia local regenerativa capaz de gerar renda para a população ao mesmo tempo que valoriza seu modo de vida tradicional e freia ameaças à floresta. A COOPSUR (Cooperativa Suruí De Desenvolvimento e Produção Agroflorestal Sustentável) também apoiou a pesquisa, que usa a metodologia TAPE (Instrumento para Avaliação de Desempenho da Agroecologia) da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

Segundo o estudo, o principal meio de geração de renda dos suruí é a agropecuária, com destaque para o café (produzido por 94% dos produtores) e a banana (92%), ambos cultivados no modelo de monocultura (uma única espécie no plantio), “herança” dos colonos e inicialmente incentivada pela FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Outros dois cultivos predominantes são o cacau (78%) e castanha do Brasil (74%), que dependem de insumos externos. Há culturas produzidas para a venda em menor quantidade, como o milho (16%), madeira (8%) e a pecuária (8%).

No estado onde a agricultura familiar representa parte significativa da produção agrícola — cerca de 25% — o cultivo com diferentes plantas e espécies combinadas é mais presente na produção para consumo próprio. Nessa lista estão a mandioca, cará, mamão, pupunha, milho, amendoim, castanha, babaçu e cacau, todos presentes na alimentação tradicional paiter. Embora a criação de animais pelos indígenas seja menos expressiva, a atividade se embrenha de forma ampla pelo território.

“Tem muita pecuária dentro do território, então nos últimos 10 anos os Suruís vem desmatando bastante para alugar fazenda para fazendeiros terem gado. Ano passado (2022) eu tive acesso a uma pesquisa que foi feita que aqui no território tinha ao todo mais de 1.500 cabeças de gado e do próprio indígena chegava a 180, 200 cabeças de gado”, declarou durante a pesquisa Almir Surui, cacique geral do povo Paiter Suruí. Ele acrescenta que há atualmente intenções de retomada das práticas tradicionais de cultivo integrado e diversificado.

Neste ponto, o estudo destaca a forte veia empreendedora do povo indígena, encontrada em projetos na TI ligados à restauração, reflorestamento e geração de renda a partir da preservação ambiental e o manejo adequado de áreas florestais. Além disso, tem ganhado força nos últimos anos no território, a organização do povo Paíter Suruí em torno da geração de renda a partir da integração da produção agrícola, artesanato e turismo. Outro destaque é que os indígenas não utilizam tantos insumos agrícolas ou químicos nos processos produtivos, o que é convergente com os princípios da agroecologia e da economia regenerativa.

A partir do diagnóstico gerado pelo estudo, a reNature em parceria com a COOPSUR, organizações indígenas e parceiros não indígenas que atuam no território, pretende cocriar planos de negócios regenerativos. Para isso, serão realizadas mentorias técnicas sobre práticas de agricultura regenerativa e a implementação de áreas demonstrativas junto aos produtores indígenas, que permitirão disseminar o conhecimento e demonstrar a eficiência da aplicação de tais práticas.

Além de orientar potenciais investimentos na região, o diagnóstico fortalece o conhecimento que os próprios paiter suruí possuem sobre seu território, permitindo que decidam de forma assertiva sobre quais necessidades e projetos querem que sejam prioritariamente atendidos. “Ao conhecer suas necessidades, eles podem definir melhor o que querem”, diz Luciana, da Tewá225, lembrando que a TI Sete de Setembro tem chamado atenção nacional e internacional, associada principalmente à figura da jovem ativista indígena Txai Suruí, filha do cacique geral.

Fonte: Um Só Planeta/Globo.

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