Antigos trabalhadores de Manaus: força motriz do desenvolvimento

Manaus completa mais um ano de vida, apesar da data comemorativa ainda manter divergências, o momento é trazer à comemoração as gentes que participaram dessa história e que permanecem anônimas em meio à construção sociocultural e econômica da cidade.

Idade incerta?!

Por volta de 1669 quando foi erguida a fortaleza de São José do Rio Negro, oficializou-se a data de nascimento da cidade que hoje chamamos de Manaus. Porém, nem todos os historiadores concordam com essa versão aceita pela historiografia tradicional. Para Marcia Eliane Alves de Souza e Mello, doutora em História e professora da UFAM, não se poderia adotar essa data como marco de nascimento de Manaus, já que o episódio não configuraria a existência de um povoamento à época. “O ano de 1669 é uma data incerta, pelo que sabemos de concreto pelas fontes documentais, a construção do fortim só ocorreu após 1684. Outra questão a ser considerada é que em torno do fortim não se constituiu uma povoação até meados do século XVIII. E um forte militar não é um município, não tem nenhuma jurisdição política. E mesmo depois quando foi constituído o ‘Lugar da Barra’, era apenas uma povoação pequena, que não tinha jurisdição própria, dependendo inicialmente da vila de Barcelos e depois da vila de Serpa. Somente em 1832, quando foi elevada à condição de vila, podemos considerar a sua criação jurídica, quando passa a ter um juizado e um senado da câmara próprios, ganhando assim o status de município autônomo”, analisa a professora.

Índio e Coroa = sobrevivência na história

Fato mesmo é que desde muito cedo os índios (trabalhadores) das diversas tribos da Amazônia tiveram que aprender a lidar com o funcionamento do poder imposto pela Coroa portuguesa.

Tal habilidade possibilitou sua permanência na história, pois o índio conseguiu – estrategicamente – sobreviver num ambiente desfavorável. Uma forma de sobrevivência se deu, por exemplo, por meio da conquista do “Hábito de Cristo”, o qual era uma espécie de veste que, devido ao seu poder simbólico, permitia aos índios serem tratados quase como um “igual” pelo rei, estreitando alguns laços dessas realidades tão distintas.

Mas, para conseguir o benefício, o índio Principal precisava mostrar obediência e bom comportamento à Coroa, como se tivesse introduzindo e aceitando a cultura do branco, satisfazendo o rei por acreditar ter aumentado seu rebanho. Ledo engano! O índio, inteligente e tático, resguardou o que só a mente sabia e agiu pelo corpo, que atuava conforme as necessidades e conveniências.

Trabalhadores do passado: vozes que ecoam

Tempos adiante, já no XIX, Manaus – a todo vapor – experimentava as benesses do tão esperado crescimento econômico, proporcionado – principalmente – pelas seringueiras, das quais se extraiam a borracha ou “ouro negro”.

A classe trabalhadora, em plena formação, orientada e organizada para o trabalho, carregou em seus ombros o peso e o sacrifício pagos pelo desenvolvimento da Belle Époque, que tão glamorosa com suas edificações e monumentos capazes de espelhar as glórias desse período, abafou as vozes dos que empreenderam além de esforços, lutas e resistências diante de um modelo de exploração (extrativista) que mantinha uma estrutura opressora e injusta.

E é analisando pelo viés da urbanização, que se nota a exclusão dos trabalhadores os quais foram transferidos para áreas distantes, alargando o fosso social entre ricos e pobres, como pensa o professor de História da UFAM Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro, que é doutor em História pela PUC-SP. “Animadas pelas elites políticas e econômicas vinculadas à economia de exportação da borracha, os projetos urbanísticos desenvolvidos por diversos administradores públicos na segunda metade do século XIX – dentre eles Eduardo Ribeiro – modernizou e dinamizou a cidade, mas também produziu exclusões e marginalizações que alcançaram em cheio os segmentos populares. Como também ocorreu em Paris e no Rio de Janeiro, áreas inteiras de Manaus foram revitalizadas, graças à adoção pelo poder público de medidas de força que, ancoradas nas ideias de modernização, higienização e aformoseamento da cidade, literalmente botavam a baixo cortiços, casebres e habitações populares de construção precária e ligeira. Boa parte dessa população pobre acabou tendo que deslocar-se para as áreas periféricas que então foram se desenvolvendo, como os atuais bairros de São Raimundo, Cachoeirinha e Educandos”, expõe Balkar, autor do livro “Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha”, escrito em parceria com Maria Luiza Ugarte Pinheiro, no qual os autores procuraram jogar um pouco de luz sobre esses construtores anônimos de nossa cidade.

Chama a atenção do professor Balkar a pouca lembrança à classe trabalhadora nas comemorações de aniversário da cidade, reservando-se à exaltação – justa – somente aos homens de destaque. “No entanto, pouco se fala da contribuição da classe trabalhadora. Mal remunerada, desamparada de legislação protetora eficaz e bordejando sempre a tênue linha que a separa da indigência, foi ela a verdadeira força motriz por traz dos processos de dinamização econômica ocorridos em Manaus desde finais do século XIX. Carregando e embarcando mercadorias no porto, cortando pelas de borracha nos armazéns das casas aviadoras, conduzindo bondes ou lavando roupas nos arrabaldes da cidade, foi também ela, no entanto, quem menos usufruiu da riqueza que ajudou a produzir”, conclui Balkar.

Novo ciclo e velhas questões

Tempos depois a matriz econômica do Estado mudou e ocorreu a instalação do Polo Industrial de Manaus (PIM), que deu continuidade ao projeto de desenvolvimento local.

Eram indústrias chegando, empregos sendo criados, mas as dicotomias expostas por Balkar resistem ao tempo e se veem nos becos ou esquinas das grandes avenidas, são esses dilemas e contrastes entre o tecno com a mata, a tapioca com fast food, a mercedez com as ruas esburacadas, o inglês com o caboclês que repartem o espaço físico e cultural de uma Manaus que acomoda as diferenças, absorvendo suas contradições para se reinventar, modelando nova paisagem a cada ciclo!

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