As metas para o ensino em que o Brasil já foi reprovado ou está em recuperação

Um dos principais temas dos protestos recentes em diversas cidades brasileiras, a educação pública ainda está longe de alcançar a maioria das metas estabelecidas por lei para melhorar e ampliar o ensino na formação infantil, básica, superior e de jovens e adultos.

Plano Nacional de Educação, aprovado em lei de 2014 após três anos de debate no Congresso Nacional e que estabelece um conjunto de 20 metas (e submetas) para serem cumpridas entre 2015 e 2024, já tem boa parte dos objetivos descumprida, ou distantes do cumprimento para daqui a cinco anos, seu prazo de validade.

Algumas metas, porém, tiveram etapas preliminares cumpridas, resultando em avanços, por exemplo, nas notas das crianças que cursam os primeiros anos do ensino fundamental, e na tomada de medidas iniciais para a melhoria da formação de docentes.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil temem que, no ritmo atual, avanços importantes previstos no PNE não sairão do papel tão cedo.

“(A maioria das metas) caminha a passos lentos, o que torna a efetivação do PNE ao fim de 2024 uma realidade cada vez mais improvável”, afirma relatório recém-divulgado pela ONG Campanha Nacional Pelo Direito à Educação a respeito do cumprimento do Plano.

Para Claudia Bandeira, da entidade Ação Educativa, houve um “esvaziamento” do Plano desde a sua criação, com poucos mecanismos oficiais de monitoramento do cumprimento das metas.

Em seu site, o Ministério da Educação (MEC) destacou em abril que o PNE é uma política pública que “ultrapassa governos”, uma vez que se estende até 2024, e traz “responsabilidades compartilhadas entre União, Estados, Distrito Federal e municípios”, com um “planejamento de médio prazo que orientará todas as ações na área educacional do país”, exigindo que cada ente federativo tenha seu plano próprio.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, citou o PNE em sua audiência recente na Câmara dos Deputados, falando da necessidade de que o plano volte a ser debatido e que os investimentos tenham foco nas etapas iniciais da educação, consideradas prioritárias pelo governo.

A seguir, a BBC News Brasil destrincha os principais aspectos das metas, de forma resumida, com base em conversas com especialistas, no relatório da Campanha Pelo Direito à Educação e no levantamento do Observatório do PNE, feito pela organização Todos Pela Educação.

Estudantes de escola pública do Distrito Federal — Foto: Mary Leal/Secretaria de Educação

Estudantes de escola pública do Distrito Federal — Foto: Mary Leal/Secretaria de Educação

Na educação básica, o PNE havia estipulado notas a serem alcançadas nas avaliações do Ideb (medição oficial que o governo faz a cada dois anos nas escolas e usa para avaliar a qualidade do ensino) dos alunos da 6ª a 9ª séries e do ensino médio, mas nenhuma delas foi alcançada até agora nessas etapas. A meta para o ensino médio em 2017, por exemplo, era de uma nota de 4,7 (em uma escala de zero a dez), mas a média geral dos alunos brasileiros foi 3,8. Também previa que, até 2016, todos os adolescentes de 15 a 17 anos estivessem frequentando a escola. Não estão: em 2018, 91,9% dos adolescentes dessa idade estavam matriculados.

Para o Observatório do PNE, um dos grandes desafios é que, nos anos finais do ensino fundamental, o ensino “não consegue dar continuidade ao crescimento apresentado nos anos iniciais”, em razão da evasão escolar, da reprovação de alunos e da desconexão entre a realidade da escola e a dos adolescentes.

Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Pelo Direito à Educação, “o Brasil corre a maratona (da educação básica) como se fosse uma corrida de 100 m, ou seja, acelera seu desempenho nos anos iniciais (nos quais as metas têm sido cumpridas), mas perde fôlego nos finais”.

Na educação infantil, até 2016, era esperado que todas as crianças de 4 a 5 anos tivessem acesso à pré-escola, meta que não foi cumprida até agora. Segundo os dados mais recentes da Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), era de 93% a taxa de escolarização nessa faixa etária, em média nacional, em 2017. A educação infantil de qualidade é considerada crucial por especialistas em primeira infância, por se tratar de um período da vida da criança em que seu cérebro está mais maleável, permitindo enormes ganhos de aprendizado – janela que diminui quando as crianças crescem.

Além disso, o PNE previa que, até 2015, o Brasil tivesse todos os seus professores com formação específica de nível superior na área em que atuam. Até 2018, porém, cerca de 62% dos professores de ensino médio e 52% de fundamental tinham formação em suas respectivas disciplinas.

Projeto de alfabetização leva garis para a sala de aula no DF — Foto: Maria Ferreira/G1

Projeto de alfabetização leva garis para a sala de aula no DF — Foto: Maria Ferreira/G1

O que já foi cumprido ou está perto de ser

O Brasil avançou no acesso à educação – desde a básica até a técnica e superior -, algo que está relacionado a diferentes metas do PNE. Mas as metas cumpridas do PNE não são muitas.

Uma vitória importante é que as crianças da 1ª à 5ª série passaram as médias estipuladas para o Ideb (a medição feita pelo governo): a nota média de 5,7, almejada para 2019, foi superada ainda em 2017.

No ensino superior, o Brasil bateu a meta de ter mais de 75% dos professores de educação superior com cursos de mestrado ou doutorado e também já tem, desde 2017, mais de 60 mil pessoas com títulos de mestrado (outra meta do PNE).

No ensino técnico, o PNE prevê aumentar para 5,2 milhões, até 2024, o número de matrículas, o que ainda não foi alcançado (são cerca de 1,8 milhão de matrículas por enquanto), mas um aspecto da meta já foi observado: a de que a maioria dessas vagas esteja na rede pública.

Outro avanço significativo é que 98% das crianças brasileiras de 6 a 14 anos estão matriculadas no ensino fundamental, o que pode significar o batimento da meta de universalização esperada para 2024.

“Os dados mostram que o cenário não é totalmente de terra arrasada e que há algum aprendizado (desde a implantação do PNE)”, diz à BBC News Brasil Olavo Nogueira, diretor de políticas educacionais do Todos Pela Educação. “Mas estamos muito distante de cumprir muitas metas, patinando.”

Metas longe de se cumprir

Falta muito para o Brasil conquistar, por exemplo, a redução das desigualdades na educação e ampliar o percentual de crianças que estudam em séries adequadas à idade, sem atrasos.

No ano passado, apenas 75,7% das crianças de 16 anos tinham o ensino fundamental concluído na idade adequada – distante da meta de 95% do PNE. “O ritmo lento de evolução sugere que muitas crianças brasileiras de 16 anos ou mais não terão saído do ensino fundamental em 2024”, diz o relatório da Campanha Pelo Direito à Educação.

Na alfabetização, só dois terços das crianças da 3ª série tinham aprendizado adequado em escrita em 2016, dificultando o cumprimento da meta de que, até 2024, todas as crianças brasileiras sejam alfabetizadas até o terceiro ano do ensino fundamental.

analfabetismo funcional (pessoas capazes de escrever, mas não de interpretar textos ou realizar operações matemáticas cotidianas) teve leve aumento recentemente, dificultando a redução estipulada pelo PNE. Também patina a meta de integrar o EJA (Educação de Jovens e Adultos, o antigo supletivo) à formação profissional.

Na formação de docentes, o objetivo é que todos os professores da educação básica tenham formação adequada na área em que lecionam (por exemplo, que professores de matemática tenham feito licenciatura em matemática), mas até 2017, só 47,3% dos professores dos anos finais do ensino fundamental (e 55,6% no ensino médio) tinham essas titulações.

O Brasil também ainda não tem um plano de carreira para professores, e está distante de equiparar os salários dessa carreira aos demais profissionais com escolaridade equivalente, como prevê o PNE.

Maioria dos países descumpriu meta de reduzir analfabetismo, diz Unesco — Foto: Reprodução/G1

Maioria dos países descumpriu meta de reduzir analfabetismo, diz Unesco — Foto: Reprodução/G1

Investimentos em educação

A meta final do PNE previa elevar, neste ano, os investimentos em educação para 7% do PIB brasileiro, até chegar a 10% em 2024 – cifra considerada difícil de ser alcançada por parte dos governantes e especialistas. Enquanto alguns defendem que tal percentual é necessário, outros argumentam que melhorias na gestão do ensino já trariam avanços com menos dinheiro que o previsto no PNE.

Segundo Olavo Nogueira, do grupo Todos pela Educação, esse patamar do PIB investido em educação no Brasil alcançou recentemente cerca de 6%, mas em meio a tetos de gastos implementados pelo governo de Michel Temer e contingenciamentos promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro, o financiamento da educação como prevê o PNE está na berlinda.

Para os especialistas consultados pela BBC News Brasil, a prioridade atual é saber o que acontecerá com o Fundeb – fundo da educação pública que movimenta R$ 150 bilhões por ano e financia a grande maioria dos gastos no setor, por meio de repasses a Estados e municípios. O modelo do Fundeb expira, por lei, neste ano, o Congresso debate se ele vai ser estendido ou substituído.

“A melhor forma de garantir o avanço do PNE é aprovando o Fundeb”, opina Daniel Cara. “Não é ele que vai resolver os atrasos, mas pelo menos vai alavancar o cumprimento das metas, fazendo com que o próximo plano (pós-2024) parta de um patamar maior.”

“Muitas das metas na educação infantil e no EJA, por exemplo, dependem de financiamento do Fundeb”, agrega Claudia Bandeira, da Ação Educativa.

Como avançar?

Para além do Fundeb, Nogueira afirma que, para tirar o PNE plenamente do papel, seria necessário haver mais clareza nas atribuições de União, Estados e municípios sobre quem deve responder por cada ponto do Plano. “Há muita sobreposição de esforços”, diz.

Para Cara, o crucial é o Brasil avançar nos aspectos-chave da desigualdade social, como reduzir o analfabetismo funcional, além de avançar na educação de jovens e adultos que não conseguiram se educar na idade correta e integrá-los ao mercado profissional.

“São dívidas históricas, nas quais estamos atrasados”, opina. “E é a face concreta da desigualdade – as dificuldades de educação da população com baixíssima renda e em situação de desalento.”

Fonte: G1

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