Networking não é, tradicionalmente, uma palavra do vocabulário corporativo feminino. A segunda jornada, composta pelo cuidado com os filhos e com a casa, muitas vezes tira as mulheres de happy hours, jantares ou encontros aos finais de semana, como é comum ver seus pares homens fazendo, seja no churrasco na casa do chefe ou nos clubes de golfe. “Elas realmente não têm tempo. O trabalho é só uma parte da vida feminina”, diz a apresentadora e jornalista Ana Paula Padrão, que criou um evento só para dar espaço a essa demanda reprimida, o Women on Top, que reúne presidentes e altas executivas no palco, anualmente.
Com essa dificuldade em conciliar agendas, algumas mulheres perceberam que uma boa maneira de conectar profissionais seria começando com pequenos grupos que já se reuniam ou conversavam online. Fazer encontros no horário de trabalho, de preferência dentro das empresas ou durante eventos obrigatórios, pareceu ser um bom caminho.
“Nosso grupo começou com algumas executivas conhecidas que queriam criar uma rede de sororidade”, diz Natasha de Caiado Castro, criadora do grupo Uma Sobe e Puxa a Outra, que reúne em um grupo de Whatsapp, eventos presenciais, seminários e aulas online, 260 mulheres entre altas executivas, empreendedoras, cientistas e artistas. E há uma lista de espera de algumas centenas. “O networking é uma consequência do grupo, não a finalidade. Queremos trabalhar para incentivar mulheres a crescer na carreira e na vida, queremos ampliar as oportunidades”, diz. Entre as membras, Patricia Muratori, head do YouTube no Brasil, Monica de Carvalho, diretora de negócios no Google e a jornalista Christiane Pelajo.
Networking é consequência
“Networking que faz diferença é ajudar as pessoas a atingirem seus objetivos”.
A frase é do autor de best sellers de negócios e marketing Seth Godin, e define bem o que esses grupos femininos estão fazendo. Nesse caso, networking tem mais a ver com rede de apoio do que com rede de contatos.
Criadora do Latinas in Tech, um grupo global que reúne mais de 20 mil mulheres nascido no Vale do Silício, Rocio Medina, uma executiva norte-americana de origem mexicana, certo dia percebeu que muitas vezes era a única mulher e única latina nas reuniões das startups pelas quais passou. E daí começou a se reunir com colegas do mercado tech que enfrentavam a mesma questão.
“Estamos criando ‘jefas’ (chefes), apoiando as mulheres a subir de gerente a diretora, de diretora a vp e assim até chegar ao board”, diz a cofundadora, que trabalhou por 15 anos em empresas de tecnologia, criou o Latinas in Tech em 2014 e hoje se dedica integralmente ao grupo. Por meio dele, as mulheres participam de mentorias, eventos gratuitos, têm um programa de apoio ao empreendedorismo, acessam um pool de talentos, além do evento anual que reúne milhares delas.
Prêmios e políticas públicas
Com o passar do tempo, esses grupos acabam atuando para criar espaço para suas participantes não só no mundo corporativo, mas para além dele, como em prêmios de destaque ou na política. É o caso do Mulheres do Brasil, um dos mais importantes do país, que reúne 110 mil participantes e foi fundado pelas empresárias Luiza Trajano e Sonia Hess, do Magazine Luiza e Dudalina, respectivamente.
A causa mais atual do grupo é o Pula pra 50, iniciativa que luta para que o Congresso Nacional e as Câmaras estaduais cheguem a 50% de representatividade feminina. “Não queremos 14% [o número atual]. Se somos 50% da sociedade, queremos 50% no Congresso”, disse Luiza Trajano em evento recente para mulheres em São Paulo.
Recentemente, o grupo Uma Sobe e Puxa a Outra teve quatro de suas participantes entre as finalistas de um prêmio da ONU Women para mulheres que apoiam outras mulheres no mundo todo, o Rise and Raise Others. “As mulheres precisam de um empurrão para combater a síndrome da impostora que todas conhecemos. A gente se reúne para dar esse apoio”, diz Natasha Castro.
Em 12 anos de existência, a Rede Mulher Empreendedora, liderada pela ex-executiva Ana Fontes, tevem impacto na vida de mais de 9 milhões de mulheres que querem criar ou fazer prosperar seus negócios. “Esses laços entre as mulheres fazem a diferença no sucesso do negócio porque elas enfrentam barreiras diferentes, é mais difícil para elas”, diz Ana Fontes, cujo empenho é também para conscientizar grandes empresas a apoiar e financiar pequenas empreendedoras. “Quando essas empresas fazem isso, elas melhoram a vida de uma família e melhora o entorno em que estão. As mulheres que prosperam têm esse efeito.”
Diversidade de gênero e raça
Com o nome de Herdeiras da Oprah, Deh Bastos, diretora de criação da Publicis, criou um grupo há pouco mais de seis meses, reunindo mulheres negras que se destacam em mercados diversos. “Existem poucas pretas ocupando espaços no C-level das empresas e, para juntá-las, acabei criando um lugar de networking para que a gente se apóie”, diz. Já são 90 participantes, gente como Clariza Rosa, sócia da agência Silva, Ana Paula Ferreira, líder de comunicação da Boeing e Cris Guterres, apresentadora da TV Cultura. “Quando acontece algo com uma das membras, temos um espaço para divulgar, compartilhar e celebrar as conquistas.”
Celebrar conquistas é uma ação presente nesses grupos femininos, exatamente porque muitas mulheres acabam não expondo vitórias por receio de parecerem “marketeiras”, é o que se ouve de algumas das líderes. “O mercado de trabalho é cruel para mulheres e as profissionais mais sêniores querem muito mais do que poder, cargo e dinheiro. Nosso grupo é um lugar de apoio e incentivo mútuo”, diz Marienne Coutinho, que criou o She, grupo que reúne nomes como Tania Cosentino, CEO da Microsoft e a escritora Carla Madeira.
Coutinho também foi uma das responsáveis por divulgar no Brasil o WCD (Women Corporate Directors), um grupo mundial que reúne conselheiras há décadas e começou no Brasil em 2009, trazido por Ana Paula Chagas, hoje sócia da empresa de head hunting mundial Heidrick & Struggles. Nos Estados Unidos era uma associação de conselheiras de grandes empresas, mas aqui, como não havia tantas mulheres nesse posto, Coutinho começou a reunir as que via nas matérias de jornal a cada manhã. “Na época, essas mulheres nem tinham a ambição de chegar ao conselho. Eu tinha uma planilha de Excel que alimentava a cada dia com nomes de executivas que eu nem conhecia e tentava fazer contato”, diz. Hoje, são mais de 350 conselheiras no Brasil e 2.500 em todo o mundo.
Conheça alguns dos principais grupos de networking feminino do Brasil
Conselheira 101
Fundadoras: Lisiane Lemos, líder do programa de recrutamento de diversidade e inclusão do Google, Marienne Coutinho, sócia e líder da área de inovação da KPMG, Jandaraci Araújo, entre outras executivas.
O que faz: promove a inclusão de mulheres negras em conselhos de empresas por meio de networking e programas de formação, que estão em sua terceira turma. Já ajudou a incluír 30 profissionais em boards.
Quem faz parte: Mafoane Odara, da líder do RH na Meta, Carla Moraes, vice-presidente da Oracle, Ianda Lopes, conselheira da GE.
Herdeiras da Oprah
Fundadora: Deh Bastos, diretora de criação da Publicis
O que faz: promove a troca de experiências, informações e indicações, além de incentivo à atuação das mulheres pretas no alto escalão das empresas, além de artistas e profissionais liberais. Tem 90 participantes.
Quem faz parte: Ana Paula Ferreira, head de comunicação da Boeing, Viviane Elias, líder de inovação da 99Jobs, Ana Paula Guterres, apresentadora.
Uma Sobe e Puxa a Outra
Fundadora: Natasha de Caiado Castro, fundadora da Wish, empresa de eventos internacional
O que faz: apoia altas executivas, empreendedoras e profissionais liberais a ocuparem mais espaços no mercado e nas empresas por diversos meios, seja com trilhas de educação, eventos de troca de experiências ou apoio à participação em prêmios e indicações. São 260 mulheres.
Quem faz parte: Patricia Muratori, head do YouTube, Monica Gomes, diretora do Google, Carla Tieppo, neurocientista, Christiane Pelajo, jornalista e Gabriela Comazzetto, head de negócios do TikTok.
AngelUs
Fundadora: Claudia Colaferro, ex-executiva de grandes empresas, se dedica integralmente ao grupo
O que faz: o AngelUs se transformou em uma plataforma que prepara mulheres para alcançar a liderança nas organizações com planos de desenvolvimento. São mais de 200 brasileiras, profissionais reconhecidas em suas áreas e empreendedoras que se reúnem para essa mentoria e trilhas de conhecimento. “Desde o início de 2022 estamos focando em ajudar empresas a prepararem mais mulheres para assumirem cargos de liderança”, diz a fundadora. Hoje, a participação na plataforma pode ser comprada por qualquer mulher, mas o foco é que as empresas façam isso para incentivar suas executivas.
Quem faz parte: Adriana Knackfuss , vp de marketing da Coca-Cola, Silvana Abromovay , sócia-fundadora da rede Amor aos Pedaços, Maria Fernanda Albuquerque, vp de marketing da Havaianas.
She
Fundadora: Marienne Coutinho, sócia da KPMG
O que faz: É focado em troca entre executivas do alto escalão e empreendedoras para impulsionar a participação das mulheres em lideranças, disseminar conhecimento, falar de saúde mental.
Quem faz parte: Claudia Muchaluat, presidente da Intel, Jandaraci Araújo, conselheira de Inhotim, Gabriela Baumgart, presidente do conselho do IBGC, Andrea Rolim, presidente da Kimberly Clark Professional.
WCD (Women Corporate Directors)
Fundadoras: O grupo foi criado por altas executivas americanas e veio para o Brasil pelas mãos de Ana Paula Chagas, hoje sócia da empresa de head hunting Heidrick & Struggles com a ajuda de algumas executivas, entre elas Marienne Coutinho (foto acima)
O que é: uma reunião de 350 executivas e conselheiras de grandes empresas para apoiar a entrada de mais mulheres em conselhos.
Quem faz parte: Solange Sobral, conselheira da Vivo, Heloisa Bedicks, conselheira do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento), Deborah Wright, conselheira do Santander, Rachel Maia, conselheira da Vale e Banco do Brasil, Ana Paula Pessoa, conselheira da Suzano, Cosan e Credit Suisse e Vânia Neves, conselheira do Carrefour.
Coletivo Pacto das Pretas
O que faz: um grupo que atua para incentivar empresas a abrir espaço e investir na diversidade racial e no incentivo à chegada de mulheres pretas em posições de liderança. O grupo faz parte da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial e tem diversas ações como workshops de letramento racial, disseminação de mulheres pretas que se destacam e o fortalecimento da agenda ESG racial nas empresas.
Quem faz parte: Adriana Alves, vp de diversidade do BNP Paribas, Soraia Cardoso, gerente de RH na Vox Capital
Rede Mulher Empreendedora (RME)
Fundadora: Ana Fontes, ex-executiva, hoje dedicada à RME
O que faz: promove o empreendedorismo feminino por meio de eventos, workshops, conexões com grandes empresas e mentorias, além de apoiar causas sociais ligadas a mulheres em situação de vulnerabilidade. Tem parceiros como Google, Amazon, Santander.
Quem faz parte: pequenos negócios, startups e investidoras
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Mulheres do Brasil
Fundadoras: diversas empresárias, entre elas Luiza Trajano, presidente do grupo
O que faz: são mais de 90 mil mulheres que atuam em diversas frentes, seja de educação, ESG, apoio a causas sociais. O objetivo é trabalhar junto a empresas e órgãos públicos para incentivar pautas que favoreçam as mulheres no mercado e na sociedade, como o incentivo a mais mulheres participando do legislativo.
Quem faz parte: Sônia Hess, ex-presidente da Dudalina, Chieko Aoki, presidente da rede Blue Tree, Carla Sarni, fundadora da rede Sorridents e do grupo Salus.
*Com informações do site Forbes