“Boa parte dos bilionários da tecnologia não têm nada de especial”

Os gurus do Vale do Silício costumam ser associados a uma área específica do universo da inovação. Jay Samit, 58 anos, é o primeiro a ser lembrado quando o assunto é disrupção— palavra importada do inglês para designar ideias e startupsque alteram radicalmente o funcionamento de um determinado mercado.

O termo estampa seu cartão de visitas (author, speaker, disruptor), os convites de suas palestras e a capa de seu best-seller, Disrupt You!, que acaba de sair no Brasil com o título Seja Disruptivo! — o lançamento é iniciativa do fundo Mindset Ventures, em parceria com a Alta Books.

Samit faz jus ao termo: como consultor, ajudou a reinventar negócios como Sony, Coca-Cola, eBay, Disney, McDonald’s, Starbucks e Unilever. Sua lista de parceiros de negócios inclui nomes como Bill Gates, Steven Spielberg, Steve Jobs e Richard Branson. Nesta conversa com PEGN, ele falou sobre as próximas ondas de inovação que vão acertar em cheio o empreendedorismo no Brasil

Nos últimos anos, inovações tecnológicas como a inteligência artificial e as criptomoedas fizeram surgir uma série de negócios disruptivos. Você vê alguma grande revolução a caminho?
Sim. Mas não será apenas um movimento, e sim uma convergência de movimentos. O 5G vai permitir a troca de quantidades massivas de conteúdo de forma muito rápida. A realidade aumentada nos fará interagir de uma maneira nova com o ambiente. Os sensores e a internet das coisas vão alimentar os sistemas com muito mais dados do que temos hoje. Os carros autônomos terão enorme relevância.

É a intersecção entre todas essas coisas que vai mudar radicalmente a próxima década. Nenhuma indústria ficará intocada, nenhuma vida deixará de ser impactada. Vamos parar de olhar para a tela do celular cinco horas por dia. Na verdade, nunca mais vamos olhar para a tela de um celular. E vamos deixar de procurar respostas no Google, pois teremos essas informações antes mesmo de fazer as perguntas.

Você diz que as pessoas não usarão mais smartphones. A indústria dos aplicativos também irá passar por uma disrupção?
Veja bem, a proposta de escrever um código de programação que seja em si um negócio não vai acabar. A interface é que irá mudar. Uma das causas é a realidade aumentada. Todo mundo pensa em realidade aumentada como algo que acrescenta coisas ao ambiente. Você caminha por uma rua e pode ver as casas que estão à venda, com preços, tamanho etc. Ou, para saber como chegar ao zoológico, pode seguir uma turma de pandas virtuais pela rua — isso já acontece em Tóquio, com pinguins, e é bem divertido.

Agora, pense diferente. Você também pode usar a RA para subtrair coisas do ambiente. Pode entrar em um supermercado e enxergar apenas os produtos que não tenham açúcar — e todos os outros desaparecem. Nesse momento, estou trabalhando com um dos maiores varejistas globais nessa ideia. No varejo do futuro, qualquer ambiente que frequentamos se torna transacional. Tudo é uma oportunidade para vender.

Hoje as mídias sociais são plataformas fundamentais para construir uma marca. Isso também vai mudar?
As redes ainda serão importantes, mas de outra forma. A era dos influenciadores vai terminar. Em vez disso, você terá de descobrir como usar mídias sociais para prover algo que tenha um valor real e duradouro. Isso já começa a acontecer no Instagram.

Hoje, você não precisa mais ser uma marca gigantesca para falar às pessoas sobre seu produto. E pode usar dados para mostrar esses produtos a pessoas que realmente gostariam de comprá-los. Isso é incrível. Eu, por exemplo, gosto de gadgets. Meu feed tem os melhores anúncios do mundo para mim. E são inventos de pequenos empreendedores, não de grandes marcas.

Criações como tomadas de parede com USB, por exemplo. São coisas simples e que resolvem pequenos problemas, mas podem atingir 7 bilhões de consumidores. Se você olhar para os nichos de mercado hoje, verá que as mídias sociais já estão sendo usadas do jeito certo.

A nova revolução vai chegar primeiro ao Vale do Silício, onde se concentram os maiores investimentos?
Não necessariamente. Hoje existe a mesma quantidade de capital em todos os lugares. Não há mais barreiras. Temos financiamentos coletivos, temos milhões de maneiras de chegar lá. Seu telefone está conectado a 7 bilhões de consumidores. Você pode conseguir capital em qualquer lugar e movê-lo para qualquer lugar. O problema é que o empreendedor brasileiro costuma se preocupar apenas com o tipo de negócio que pode ter no Brasil. Nenhuma empresa em Israel pensa dessa forma.

Lá, não existe o conceito de mercado interno. Então, certo dia, uns caras que estavam no tráfego de Israel pensaram: bem, a empresa de telefonia sabe onde meu telefone está e sabe onde o telefone do outro motorista está; se dissermos para um deles ir para a esquerda, e o outro para a direita, não teremos mais congestionamentos. E assim surgia uma das empresas mais disruptivas dos últimos tempos. Muito longe do Vale do Silício. Por essas e outras, eu acredito que não há vantagem nenhuma em estar nos EUA. Na verdade, eu acho mais vantajoso estar no Brasil.

Por quê?
O custo de trabalho é mais baixo. É mais barato fazer um aplicativo aqui, por exemplo. Mas, de novo, pensar localmente é tolice. A questão é: como resolvo um problema, e onde esse problema existe? Boas ideias podem se espalhar pelo mundo todo.

No livro Disrupt You!, você diz que “não há nada mais disruptivo na vida do que ser demitido”. No Brasil, temos uma alta taxa de desemprego.
E vai aumentar. Não importa quem você coloque no governo. Metade de todos os empregos vai desaparecer, isso é um fato. Trabalhos em manufaturas serão feitos por robôs. Os contadores virarão softwares de inteligência artificial. Os caixas serão máquinas. Tudo que pode ser automatizado vai sumir.

Como um brasileiro médio, sem acesso ao dinheiro e ao am-
biente de negócios dos grandes centros de inovação, pode se salvar nesse cenário?

Em primeiro lugar, abandonando esse rosário de desculpas que você acabou de citar. Em vez disso, ele deve focar nos problemas que pode resolver. Enquanto o empreendedor brasileiro assumir esse discurso do “coitadinho”, ele não será bem-sucedido. Alguns dos negócios mais inovadores do mundo não precisaram de muito capital.

Pense na China, por exemplo. Vinte anos atrás, um africano médio tinha duas vezes o rendimento de um chinês. Hoje, o chinês ganha cinco vezes mais. Os chineses de repente se mudaram para o Vale do Silício? Acharam dinheiro no quintal? Não. Eles tinham uma mentalidade de crescimento. Eu acredito que, em breve, uma disrupção vai atingir em cheio os negócios no Brasil.

Jay Samit: Brasil pode ter, como a China, um ecossistema inovador de startups (Foto: Divulgação)

Como isso vai acontecer?
Os pilares da economia — agricultura, energia, manufatura — vão mudar de forma definitiva. Entre os trabalhos que existem hoje, qualquer um que seja repetitivo ou programável vai desaparecer.

Teremos milhares de pessoas qualificadas, prontas para empreender. O que essas pessoas vão fazer? Que negócios podem criar? Como vão aproveitar o fato de que estão a um clique do mercado global? Essa é a parte bacana dessa história. Só tem duas coisas que você precisa para ser um empreendedor de sucesso: insight e perseverança. Conheço muitos bilionários da tecnologia e posso dizer que eles não têm nada de especial.

Você acha mesmo que esses bilionários não são especiais?
Alguns são brilhantes. Mas conheci um número enorme deles que não conseguia nem mesmo amarrar os sapatos. Muitos bilionários apenas tiveram uma ideia muito boa num momento muito bom.

A crise econômica dos últimos anos mudou a forma como o Vale do Silício enxerga o Brasil?
Quer uma resposta honesta? Para começo de conversa, a maioria dos americanos não consegue nem mesmo apontar os Estados Unidos no mapa-múndi. Em toda a minha carreira, a palavra “Brasil” nunca veio à tona.

Ninguém está pensando no Brasil. Nunca existiu uma relação real entre o seu país e o Vale do Silício. Mas isso não quer dizer que não exista capital no Brasil. É a sétima economia do mundo e não tem dinheiro aqui? Tem, sim. Apenas não está indo para as startups. Em vez de ficar imaginando como ter acesso ao Vale do Silício, pergunte-se: como eu explico o futuro para pessoas que vivem no passado? Essa é uma qualidade que o empreendedor precisa desenvolver.

A Amazon perdeu dinheiro por uma década, mas a visão de Jeff Bezos convenceu os investidores a continuar apostando na empresa.

Você acredita que o atual governo de Donald Trump tenha afetado a inovação no país?
Não acho possível usar as palavras “Trump” e “inovação” na mesma frase [risos]. Na verdade, é um erro pensar que os Estados Unidos são um país inovador. Não é verdade. A Califórnia é quase uma nação à parte.

Quando você olha para todos os unicórnios americanos [startups que são avaliadas em mais de US$ 1 bilhão], apenas um está fora da Califórnia [a Amazon, em Seatle]. Mas a inovação não precisa ser conduzida por políticas de governo. Inovação é apolítica. Empresas como Tesla, Uber e Airbnb tiveram de lidar com uma série de leis contrárias a seus negócios. E isso não diminuiu em nada o ritmo de suas inovações.

Qual a última vez que você ficou realmente empolgado com uma startup?
Foi durante um almoço, pouco antes do Natal. A ideia era simples. O Airbnb criou uma situação curiosa para os proprietários de imóveis. Em alguns lugares, o proprietário aluga uma casa e seu inquilino, usando o Airbnb, consegue fazer mais dinheiro que ele, realocando o imóvel ou partes deste. Isso porque o proprietário não quer lidar com todos os detalhes da relação com o Airbnb.

Então essa startup paga aos proprietários um bom aluguel e realoca os imóveis via Airbnb, cuidando de todas as questões — limpeza, entrega das chaves etc. A startup criou um software para resolver o problema e testou com proprietários de prédios. Em um dos casos, o proprietário passou a ganhar US$ 1 milhão a mais por ano. Agora a ideia é: como levar esse negócio ao maior número de cidades no menor tempo possível?

Disrupt You! está chegando ao Brasil agora. Qual foi o seu objetivo ao lançar o livro, em 2015?
Queria passar adiante as lições que aprendi na minha experiência profissional. Veja bem, existem no mercado livros sobre inovação feitos por jornalistas, geralmente sobre tendências. São escritos por um outsider, alguém que nunca teve uma empresa. Existem também os livros-ego: “eu fiz isso”, “eu fiz aquilo”.

E temos os acadêmicos,  cheios de teorias que preveem com precisão tudo aquilo que já aconteceu. Achei que podia trazer a perspectiva de alguém que trabalhou em setores como entretenimento, automóveis, viagens, fintechs etc. Eu notei um padrão na forma como as empresas inovam. Percebi que aquilo que as pessoas costumam estudar é irrelevante para o novo mundo. E pensei: será que posso ensinar algo a essas pessoas?

Seu primeiro empreendimento foi um fracasso. Qual foi a lição que aprendeu ali?
Não tente abrir uma empresa usando cartões de crédito. Quando comecei a empreender, eu não sabia como levantar capital, mas estava tão certo de que minha ideia seria um sucesso que enchi 20 cartões de crédito com dezenas de milhares de dólares. Até que um dia alguém bateu na minha porta e levou meu carro.

E, sem o carro, eu não conseguiria tocar o negócio. Esse é um dos erros clássicos que os empreendedores cometem: andar à frente de seu caixa. Outro é não descobrir se existe de fato um mercado para seu produto. Mais um equívoco comum: subestimar o tempo e o dinheiro que serão necessários para alcançar a estabilidade.

E, por fim, não compreender que a habilidade de fazer o dinheiro render ao máximo no início da startup é exatamente oposta a aquela necessária para fazer o negócio escalar. Normalmente é preciso pessoas diferentes para comandar a empresa em cada uma dessas fases.

Jay Samit, depois de atuar como executivo em empresas como Link edIn, Sony e Universal Studios, tornou-se vice-presidente da consultoria Deloitte (Foto: Divulgação)

Você tem algum hábito pessoal que o ajuda a ser criativo?
Meu hobby é fazer mágica. Essa forma de entretenimento leva uma vantagem em relação às outras. Quando você vai ver um cantor, quer que cante o melhor possível. Quando vai ver um dançarino, quer que acerte os passos. Mas, quando vai ver um mágico, você quer que ele se ferre. A audiência está contra o mágico. Depois que você consegue superar isso, fazer um pitch para um investidor é fichinha. Essa é uma habilidade que eu aprendi: entrar em uma sala que está contra você e convertê-la.

No livro, você fala que era disléxico e não tinha boas notas. Há algo errado em um sistema educacional que taxa certas pessoas como menos capazes?
Há muitas coisas erradas. Comecemos com a pergunta clássica feita às crianças: o que você quer ser quando crescer? A questão indica que a criança só terá uma escolha, um trabalho, uma carreira. Em vez disso, a pergunta deveria ser: que problema você quer resolver quando crescer? Isso faria a criança pensar que a vida é maleável, que o mundo não tem de permanecer como é. Essa é a base do que eu chamo no meu livro de “autodisrupção”. Acho que muitos adultos que falharam em perseguir seus sonhos tentam proteger seus filhos dessa dor. Mas nós crescemos com a dor e com as falhas. Falhar é parte do processo, especialmente para um empreendedor. Essa é provavelmente a maior mudança cultural que muitos países não conseguem praticar.

Você acredita que a educação pode colaborar para um mundo mais empreendedor?
No mundo em que vivemos, as pessoas ainda são obrigadas a ter um diploma. Mas essa realidade está mudando muito rapidamente. Nas faculdades onde ensino, dezenas de jovens abandonam os estudos para empreender, todos os semestres. Tive dois alunos que fundaram uma empresa e fizeram US$ 150 milhões no primeiro ano. Será que eles deveriam ficar ali até se graduar? Claro que não. Bill Gates se graduou? Zuckerberg  se graduou? Steve Jobs? Nenhum deles. Além disso, a ideia de que adquirir conhecimento é um estágio da vida — “vou estudar quatro anos e depois não preciso mais aprender” — está desaparecendo. A única maneira de se tornar bem-sucedido e disruptivo é aprender tudo o que puder, todos os dias.

Fonte: PEGN

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