Com apenas 20 anos, o jovem cientista brasileiro Luiz Fernando da Silva Borges está desenvolvendo um sistema de comunicação com pessoas que estão em coma. Dentro de seu quarto em Aquidauana, interior do Mato Grosso do Sul, Borges criou um computador capaz de ler as mentes dos pacientes.
O brasileiro venceu na categoria engenharia biomédica em 2016 e 2017 o Intel International Science and Engineering Fair, prêmio promovido pela multinacional de tecnologia Intel e que destaca projetos em ciência e engenharia.
O reconhecimento ajudou Borges a encontrar investidores. Em 2017, ele recebeu um investimento de 150 mil reais para desenvolver um computador que, quando conectado ao cérebro de pacientes em coma, consegue detectar e traduzir sinais para que a pessoa possa se comunicar.
O patrocínio veio de Ricardo Nantes, fundador do Portal Educação, presidente da startup Empodera e investidor-anjo. “É uma aposta. Pode ter um retorno alto, mas também tem um risco alto”, afirma Nantes.
Entusiasta de projetos relacionados à ciência e educação, Nantes vê futuro na ideia de Borges. “Percebi que ele tinha uma capacidade de empreender muito grande. Com 17 anos, sem recursos e sem acesso, ele já começou a fazer ciência sem se importar com as dificuldades”, conta o investidor.
Na adolescência, Borges criou um novo método de controle de próteses. Seu sistema visava para recuperar a sensibilidade tátil de pessoas que perderam o antebraço. Sua prótese venceu o prêmio da Intel em 2016.
No ano seguinte, o jovem apresentou o projeto Hermes Braindeck. “Existe uma técnica que mostra que pessoas em coma podem se comunicar, mas até hoje não existia uma tecnologia portátil para isso”, afirma.
Inspirado em uma pesquisa do neurocientista britânico Adrian Owen publicada na revista Science em 2006, Borges desenvolveu um equipamento portátil que poderia traduzir os sinais de quem estivesse em coma. Em sua pesquisa, Owen mostrou que é possível se comunicar com pessoas em coma usando um aparelho de ressonância magnética.
Borges pegou o conceito e tornou-o portátil. “Quis tornar esse tipo de comunicação possível ao lado do paciente”, diz. Borges criou um computador que lê as reações do cérebro do paciente ao ouvir perguntas.
O paciente usa uma touca com vários fios conectados a sensores e um fone de ouvido para receber instruções. Pede-se ao paciente para imaginar o movimento da mão direita e o da mão esquerda. Cada pensamento ativa uma parte diferente do cérebro. A máquina de Borges traduz esses padrões em respostas positivas (sim) ou negativas (não). Dessa forma, o paciente consegue responder perguntas dos médicos e dos familiares.
“Nos hospitais, não existe ferramenta para medir a resposta da pessoa em coma sem ser a ressonância magnética, que não tem como ser usada no dia a dia”, afirma Borges.
Em testes com pessoas saudáveis, seu sistema teve 80% de precisão em reconhecer os dois padrões de resposta. Borges testou o Hermes Braindeck em 50 voluntários.
Até o fim deste ano, o jovem espera poder testar o aparelho portátil em pacientes da Santa Casa de Campo Grande com ajuda de profissionais da Universidade Católica Dom Bosco, no Mato Grosso do Sul.
Esperança
“O coma é a perda do sistema de alerta”, explica o neurologista Ivan Okamoto, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, que não está envolvido no projeto de Borges. Diferentes tipos de lesão podem levar uma pessoa ao coma: traumáticas, inflamatórias, infecciosas, sistêmicas, tumoral, vascular.
Existem várias fases do coma. O estado mais grave é o vegetativo. “Continua funcionando coração, a respiração, o intestino, mas não tem consciência. É como se a máquina funcionasse no automático”, diz Okamoto. Durante um coma, no entanto, o cérebro continua na ativa. A possibilidade de sair do estado varia da gravidade do caso. “O coma não é uma sentença, é um sintoma”, afirma.
Quem sobrevive à situação, às vezes relata momento de consciência, conta Borges. O neurologista afirma que, por conta desse tipo de relato, há uma orientação aos médicos de não comentar sobre a situação do paciente perto dele.
Para os familiares de um paciente em coma, o momento também é delicado e exige cuidado. Com sua invenção, Borges espera entregar aos parentes a possibilidade de ouvir novamente o ente querido.
“Quero que pessoas irresponsivas possam ter a dignidade de se comunidade ou de ter suas últimas palavras. Têm histórias de pessoas, que, mesmo conscientes, não conseguiram se despedir dos familiares”, diz Borges. “É uma questão de humanidade.”
Fonte: Exame