Desemprego avança 13% em um ano entre os mais qualificados

engenheiro eletricista Filipe Carneiro, de 38 anos, trabalhou por dez anos como superintendente em uma companhia de navegação do setor de petróleo no Rio. Com a marcha lenta da economia, a empresa começou a cortar cargos de chefia em janeiro. Carneiro foi um dosdispensados . Ele e a mulher, a advogada Gisele Brandão, agora só contam com o salário dela para pagar as contas. Com uma filha de 2 anos e a segunda prestes a nascer, fizeram um corte profundo nas despesas.

A situação do engenheiro, cuja profissão era das mais demandadas antes da crise , reflete a realidade de 1,4 milhão de brasileiros com ensino superior completo sem trabalho contabilizados no primeiro trimestre deste ano pela pesquisa Pnad Contínua , do IBGE . Isso representa alta de 13% em apenas um ano. Nos três primeiros meses de 2018, o número foi de 1,23 milhão.

Renda em queda

O avanço da desocupação nesse segmento, geralmente mais protegido do desemprego que os menos escolarizados, contrasta com a queda de 1,8% no contingente total de desempregados no período.

— O tipo de emprego que tem sido gerado, responsável por alguma melhora no índice geral, em sua maioria não requer tanta qualificação — avalia Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria iDados.

Além do maior desemprego, a renda média dos profissionais com ensino superior caiu 0,9% em um ano, de R$ 5.710 para R$ 5.654. Já a média do trabalhador em geral subiu 1,5% entre os primeiros trimestres de 2018 e 2019, de R$ 2.478 para R$ 2.516.

Nossa renda caiu pela metade. Já tínhamos quitado o apartamento, o que ajudou, mas reduzimos muito o uso do cartão de crédito, cortamos viagens de férias e, como minha mulher está grávida, saímos muito menos — conta Carneiro, que tem pós-graduação em Meio Ambiente.

Depois de se formar, em 2008, ele não teve dificuldade para encontrar trabalho e subir na empresa. Agora, há seis meses procurando uma vaga, está disposto a aceitar cargo e salário inferiores aos que tinha. Mas não tem sido fácil.

— Há um mês, uma empresa me ligou. Perguntaram meu último salário. Falei, e não me retornaram mais.

Maria Andreia Lameiras, pesquisadora do Ipea , explica que os menos escolarizados sofrem mais com o desemprego, mas o andar de cima é afetado com mais força agora por causa da lenta recuperação econômica desde 2014:

— Além de profunda, a crise é longa. Em momentos de dificuldade, as empresas primeiro cortam os funcionários com menos produtividade e salários mais baixos, preservando os mais qualificados, que receberam maior investimento em treinamento. Por conta da duração da crise, as empresas são obrigadas a dispensá-los.

Desempregado há mais de um ano, o professor de idiomas Ben Feitosa dá aulas particulares, mas sente falta da previsibilidade de ter um salário Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Desempregado há mais de um ano, o professor de idiomas Ben Feitosa dá aulas particulares, mas sente falta da previsibilidade de ter um salário Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Formado em Letras, com duas pós-graduações e fluente em quatro idiomas, o professor Ben Feitosa, de 37 anos, está há um ano sem emprego fixo. A escola de línguas em que trabalhava fechou, e ele passou a dar aulas particulares para ter alguma renda. Na informalidade, sente falta de previsibilidade e benefícios:

— Já mandei currículo para várias escolas, mas, quando veem minha experiência, acham que sou um profissional caro. Na verdade, já aceitei valores abaixo do mercado só para ter a segurança de um salário todo mês — conta o professor, que tem 16 anos de magistério.

Um dos fatores para o aumento do desemprego entre os graduados é o maior acesso dos brasileiros à universidade, o que não tem sido acompanhado pela geração de postos de trabalho. Em um ano, a força de trabalho com ensino superior aumentou 8%, chegando a 20,3 milhões de pessoas em março. São cerca de 1,5 milhão de novos profissionais. Não há vagas para todos.

Decepção após formatura

Ana Paula Mendes, de 26 anos, é uma das que ficaram de fora. Ela escolheu cursar Ciências Contábeis porque sempre ouviu que não faltava emprego na área, mas durante a graduação não conseguiu sequer um estágio. Desde a formatura, na segunda metade de 2018, enfrenta dificuldades nos processos seletivos, que pedem experiência. E, com o contingente de profissionais que perderam emprego, não está difícil para os recrutadores encontrarem.

— O mercado de trabalho é tão diferente do que imaginei no início da faculdade que já cheguei a me arrepender de ter feito o curso. Hoje, tenho que escolher as seleções. Depois de seis meses procurando, ir a todas fica caro por causa do transporte e da alimentação fora de casa — diz Ana Paula.

Maria Andreia Lameiras, do Ipea, diz que o aumento da escolarização do brasileiro é positivo para a economia, mas a falta de oportunidades adequadas à formação dos universitários impede o país de se beneficiar dos ganhos de produtividade que a qualificação profissional produz.

— Com programas de incentivo, como Fies e ProUni, mais pessoas entraram na universidade. No entanto, esse contingente tem chegado ao mercado em um momento de fragilidade da economia — diz Andreia. — Quem acaba aceitando vagas com menos exigências ou fica fora do mercado por muito tempo pode ficar desatualizado, sem acompanhar mudanças em sua área.

João Saboia, professor emérito de Economia da UFRJ, atribui a falta de vagas à baixa confiança dos empresários para investir e contratar:

— A reforma da Previdência contribui para a retomada da economia, mas não é o único problema. Outras reformas precisam andar. É preciso melhorar o clima político do país, que tem contribuído para reduzir a confiança. Com isso, o Brasil deve crescer, e veremos recuperação mais efetiva do mercado de trabalho.

‘Observamos uma perda de capital humano’

Entrevista com Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper

Pesquisador do Insper, o economista Naercio Menezes acredita que o estímulo à maior competitividade das empresas é o caminho para a criação de vagas para profissionais mais qualificados.

O que explica o aumento do desemprego entre quem tem nível superior?

A atual situação do mercado de trabalho afeta todos, do nível básico ao superior. A dificuldade de se recolocar é generalizada. A crise econômica é bastante longa, e a saída dela está lenta. Empresas não conseguem aumentar sua produtividade, e fica difícil criar empregos. Entretanto, quem tem nível superior ainda tem os melhores salários e integra o grupo com menor taxa de desemprego, mesmo com a alta no último ano.

Como a crise afeta a renda?

Quando as pessoas concluem seus estudos e não ingressam no mercado, o que aprenderam começa a ser depreciado. Sem experiência, os salários futuros tendem a ser menores. É prejudicial para todos. Observamos uma perda de capital humano com o prolongamento da crise.

O desemprego dos mais escolarizados afeta quem tem menos instrução?

Os trabalhadores sem diploma superior, principalmente os que têm ensino médio, sofrem maior concorrência. Quando o profissional não encontra emprego correspondente ao nível de instrução, procura vagas que exigem menor qualificação.

A aprovação da reforma da Previdência melhoraria o mercado de trabalho?

Acho que é dar um peso muito forte à Previdência. É importante, mas a economia brasileira sofre de um problema crônico: a falta de produtividade. As empresas investem pouco em tecnologia e pesquisa. Grandes corporações contam com subsídios e medidas de proteção em vez de investir na produtividade. Isso afeta a criação de empregos. É preciso acirrar a competição. O Brasil precisa ser mais dinâmico para gerar mais igualdade de oportunidades para pessoas e empresas.

Fonte: O Globo

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