1. As Políticas Públicas e seus Impactos no PIM
O modelo de desenvolvimento de Manaus é altamente suscetível a determinadas condições que, em muitos casos, são exógenas. Por exemplo:
- Avanços tecnológicos (tecnologia digital e motores elétricos, por exemplo);
- Importação de componentes (especialmente os dispositivos eletrônicos cujas aquisições interferem no balanço de pagamentos do Brasil);
- Isenções fiscais (guerra fiscal);
- Burocracia para aprovação de projetos (Processo Produtivo Básico – PPB e novos segmentos industriais);
- Infraestrutura (fornecimento de energia; logística).
As condições descritas têm que ser ajustadas às políticas industriais e econômicas vigentes no País. Afinal, há interesses convergentes (poucos) e divergentes (muitos) entre os estados brasileiros, quando buscam atrair novos investimentos.Não há gentileza nessa hora.
E, reconheçamos, o que não tem faltado no Brasil são alterações nas políticas industriais. Além de muitas iniciativas sem as devidas continuidades.
Mudanças em políticas públicas são compreensíveis em qualquer país democrático que realiza eleições periodicamente. Modificações frequentes, no entanto, associadas à burocracia envolvida, inibem investimentos ou fazem com que certos setores que atuam em segmentos econômicos com pouca concorrência, se acomodem e não sejam, digamos,determinados na busca por processos de inovação ou na qualificação de seus recursos humanos.
Se tomarmos a Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa como case, um case de nosso interesse, verificaremos como somos dependentes das intempéries políticas que acabam, muitas vezes,afetando a continuidade de políticas públicas.
De 1979 para cá, tomando a gestão de Ruy Lins como referência, a autarquia já teve 18 (dezoito) Superintendentes, incluindo nessa relação um interventor e dois em regime provisório. Isso representa a média de 2 (dois) anos e pouco mais de 1 (um) mês de gestão para cada um deles.
O período da gestão, em si, não seria tão problemático se as políticas públicas fossem de Estado. Mas as regras do jogo, em geral, são estabelecidas pelo governo do momento,tornando-se suscetíveis a interesses diversos.
Essa situação acaba tornando inadequado o período de duração de um Superintendente no cargo, quando se considera a necessidade da consolidação de políticas públicas em ambientes complexos como o PIM, denotando uma clara evidência dos riscos da falta de continuidade que geram insegurança e incerteza nos investidores.
Considerei a gestão de Ruy Lins como referência porque a atividade industrial ainda era incipiente antes de sua gestão.
Nessa época havia a sensação de que o Amazonas havia sido redescoberto, após o longo período de caos econômico pós ciclo da borracha. A Amazônia era tratada como área de segurança nacional e a ZFM era vista como uma ótima solução para preserva-la, dando-lhe alternativa econômica.
Atualmente, me parece que o item mais relevante para sustentar o modelo ZFM é a defesa ambiental: a manutenção da floresta do Amazonas em pé. Sem uma política ambiental clara para a Amazônia e com a devastação desordenada se ampliando, não sei por quanto tempo essa âncora irá ser suficiente.
Todos reconhecemos a importância da Suframa e do seu papel para o desenvolvimento não apenas do PIM, mas da região amazônica. Nas décadas de 1980 e 1990 a Suframa era tratada como um poder paralelo, rivalizando com o poder do governo estadual. Governador do Estado do Amazonas e Superintendente da Suframa tinham status quase similares. Isso gerava muito problemas políticos, mas trazia bons resultados práticos para o Amazonas.
Pouco ouvi, entretanto, sobre o reconhecimento da complexidade do trabalho realizado pela autarquia. Embora esteja muito longe de ser especialista em gestão pública, creio que a Suframa é um dos órgãos mais complexos da estrutura burocrática brasileira. Burocracia no bom sentido, evidentemente.
A concessão dos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus levou a Suframa a gerir políticas públicas em diversas atividades:
- Industrial(atração de investimentos de empresas; análise de projetos; acompanhamento do cumprimento do PPB);
- Desenvolvimento regional (deve ser levado em consideração que a Amazônia é uma região com imensos desafios e complexidades, que incluem uma aparente dicotomia: desenvolvimento x preservação);
- Desenvolvimento científico e tecnológico (gestão e acompanhamento da aplicação dos recursos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico – P&D oriundos do que se convencionou chamar de Lei de Informática);
- Comércio exterior (as empresas instaladas em Manaus possuem uma relação muito intensa com fornecedores de diversos países, o que exige da autarquia o acompanhamento dessas transações para cumprimento do PPB e por cuidados com a questão cambial, por exemplo);
- Comércio interno (boa parte da aquisição de insumos do PIM é realizada por empresas instaladas no Sul do Brasil e possui regras específicas e complexas, especialmente pelo fato de vivermos uma guerra fiscal no País – estados que possuem estradas e saídas para o mar, além de um mercado consumidor imenso e de não ter as mesmas restrições ambientais que o Amazonas, também desejam usufruir de benefícios fiscais);
- Distrito Agropecuário (embora em ritmo bem mais lento em sua dinâmica, há uma região relativamente próxima a Manaus que é administrada pela Suframa e que tem por objetivo desenvolver o segmento agropecuário; creio que muito pouco se avançou nesse segmento);
- Centro de Biotecnologia da Amazônia – CBA (desde a gestão Mauro Costa, a Suframa tem sido a responsável pelo CBA; não bastasse todas as responsabilidades mencionadas, a autarquia ainda se encontra às voltas com a complexa relação envolvendo o CBA; aguarda-se o resultado do Edital que irá a pontar o gestor do CBA).
Por esta breve descrição percebe-se a complexidade e a importância da SUFRAMA não apenas para o Amazonas, mas para os demais estados da Amazônia e para o próprio País.
Se observamos a média histórica do período da gestão de um Superintendente da Suframa, à luz das suas funções institucionais, creio que o tempo mencionado parece muito aquém do necessário para consolidar as políticas públicas de responsabilidade da autarquia, em geral muito complexas.
Me parece que o mais crítico, no entanto, é a falta de continuidade das políticas propostas ao longo desse período. Houvesse ao menos um acordo político para que as diretrizes estabelecidas tivessem continuidade em médio e longo prazo, talvez pudéssemos estar em um patamar mais avançado de consolidação do PIM e os riscos que se apresentam no horizonte fossem menos preocupantes.
2. Os Ciclos do PIM
Os setores de duas rodas, eletroeletrônico, de bens de informática e químico representam os principais segmentos industrias instalados em Manaus. A construção do PIM, no entanto, foi um processo complexo e que enfrentou resistências enormes de outros Estados brasileiros, também desejosos de abrigar as fábricas que se instalaram em Manaus.
A indústria de televisores, um dos primeiros segmentos a se implantar em Manaus, tem uma história muito interessante no Brasil.
Um excelente texto escrito pelo Dr. José Milton Bandeira (Diretor Técnico da Philco e, posteriormente, da Fucapi nos anos 1980), publicado na Revista AN – EP, de Set/Out de 1985, apresenta um cenário do que era a indústria de televisores no Brasil nas décadas de 1960 e 1970 e explica as razões pelas quais as empresas estrangeiras e nacionais foram encerrando as suas atividades antes da existência do PIM.
A partir da leitura de seu texto e das conversas com o Dr. Bandeira, na década de 1980, intuímos que, na verdade, a Zona Franca de Manaus foi um bálsamo que revigorou a indústria brasileira de televisores.
É importante ressaltar que a produção de televisores no Brasil, na década de 1960, era muito pequena. Até porque a cobertura das estações transmissoras daquela época – TV Tupi, TV Record, TV Rio (ainda não existia a TV Globo) e outras – era praticamente local e apenas as grandes cidades brasileiras, como São Paulo e o Rio de Janeiro, possuíam aparelhos televisores em quantidade suficiente para atender a um mercado ainda muito embrionário.
As indústrias nacionais não possuíam capital, nem tecnologia, nem recursos humanos em escala suficiente para produzir televisores que permitisse ampliar a demanda e encerraram suas atividades ainda na década de 1960. Até porque o preço de um aparelho de TV era muito caro, inibindo a expansão desse mercado.
Na maioria dos casos, as indústrias estrangeiras que produziam televisores naquela época, como a Standard Elétrica, a Sylvania e a General Eletric, descontinuaram suas atividades nesse segmento. Continuaram na atividade e vieram para Manaus, empresas como a Philco e a Philips, que também deixaram de produzir televisores mais à frente.
Apenas na década de 1970 os grandes troncos de micro-ondas começaram a interligar, a difundir e a expandir as redes de televisão pelo País, viabilizando um promissor mercado para as atividades de telecomunicações e de eletrônica de entretenimento.
A partir da década de 1980, o polo de eletroeletrônicos, puxado pela produção de televisores, se tornou o segmento líder de faturamento no PIM. Mas muitas modificações estão ocorrendo, especialmente com a ampliação da digitalização dos sistemas eletrônicos. E teremos que nos adaptar a elas.
A convergência digital está integrando as funcionalidades do aparelho de televisão, do computador e do telefone celular. Esse processo tem se mostrado um risco para o PIM que convive com a possibilidade de concorrência de outras regiões pelos investimentos no setor de informática. Ou alguém duvida que não há interessados em considerar que a televisão já é um bem de informática?
Esse preâmbulo está se alongando porque achei necessário contar um pouco desse processo. Muitas pessoas, especialmente as mais jovens, não tem informações suficientes sobre o trabalho realizado para construir o polo industrial de Manaus.
Muita gente participou desse esforço. Um belo trabalho realizado por interesses reais de desenvolver o Estado do Amazonas, em inúmeras ocasiões sustentado por argumentos técnicos que nortearam as ações políticas em defesa do modelo ZFM.
Ao longo da descrição dos ciclos do PIM, pretendo contar um pouco do que vi e suscitar alguns pontos que, na minha forma de ver, exigem reflexões profundas sobre o nosso modelo de desenvolvimento.
Participei de muitos trabalhos de planejamento estratégico e uma das tarefas apresentadas pelos condutores do processo era a identificação dos pontos fortes e fracos, das oportunidades e das ameaças à empresa.
É uma metodologia interessante que tem por objetivo auxiliar uma empresa a encontrar os caminhos que deve seguir para continuar atuando, se desenvolvendo e cumprindo sua missão.
Na minha forma de ver, esse é o momento em que o Amazonas se encontra. Precisamos definir os rumos. Analisar as nossas fragilidades, que não são pequenas, mas as nossas fortalezas, que são imensas. Enfim, construir um planejamento estratégico para o Estado do Amazonas. Um planejamento de Estado. Factível e que possa ser cumprido.
Espero que ao relembramos os diferentes ciclos do PIM, a serem apresentados nos próximos capítulos, possamos verificar o quanto já construímos e o quanto somos capazes de realizar ainda mais, para poder avançar com confiança no fortalecimento de um modelo que, mais à frente, seja dependente mais das decisões dos moradores desta região e menos de decisões forâneas.