RIO — A nutricionista Roberta Guedes começou sua vida profissional como estagiária no Grupo Trigo — detentora de marcas como Spoleto e Koni. Foi efetivada, mudou-se para Volta Redonda (município onde fica a fábrica), virou consultora de qualidade e, posteriormente, de negócios. Após 10 anos de trabalho na empresa, Roberta agora é dona de uma franquia da Spoleto.
— Virar a chave de funcionária para empreendedora foi algo gradativo. No trabalho como consultora de negócios, orientava os franqueados, mas não era executiva — relembra ela.
Histórias como a de Roberta acontecem com frequência. São funcionários que entendem e se identificam tanto com a marca que desejam ter uma unidade para chamar de sua. A maior parte das franqueadoras não desenvolveu programas de incentivo para os empregados; eles recebem apoio como qualquer candidato a uma franquia em todas as fases da implantação de uma loja. Por terem passado pela experiência anterior, levam vantagem em quem começa do zero. Mas, cuidados são necessários.
O diretor de cursos e eventos da ABF Rio, Mario Goldberg, compara a virada empregado-franqueado aos astros de cinema que se transformam em diretores:
— A grande vantagem nisso é a vivência operacional do negócio enquanto funcionário. Ele traz uma capacidade assertiva na estratégia e na forma de gestão. Quando você compra a franquia sem ter esta experiência, por mais que tenha sido aprovado no processo e treinado, tudo é novo.
Julio Monteiro, CEO da rede Megamatte, concorda:
— A dedicação a um negócio próprio é bem diferente que de um profissional com tarefas e horários. Um franqueado cuida da gestão total da loja, desde estoque, padrão dos produtos, atendimento aos clientes até a gestão de pessoas. Tarefa que inclui muitos desafios diariamente — diz Monteiro.
Entre os funcionários da lanchonete que se tornaram franqueados, Antonio Maciel começou a trabalhar na Megamatte em 2005, também como estagiário. Depois de passar por diversas funções operacionais, em 2009, foi convidado por um recém-franqueado a tocar uma loja, como sócio-operador. Com um investidor e o conhecimento prévio de Maciel, o sucesso foi certo.
— Ser empresário é muito mais difícil. As possibilidades de ganhos são maiores, assim como as de perdas — avalia ele.
Conhecer a marca
Já a história de André Binoti na escola de idiomas Yes! começou em 1997, quando ele era vendedor de matrículas na filial de Campo Grande.
— Em 2003, fui convidado a fazer parte da diretoria comercial da franqueadora. Meu sonho sempre foi ser dono de minha própria escola. Tomei coragem, fui alçar novos voos e abri a minha primeira franquia, em Alcântara, São Gonçalo, em dezembro de 2007 — relembra ele, relatando que, cinco anos depois, inaugurou a segunda escola, no centro do mesmo município.
De acordo com o presidente da Yes!, Clodoaldo Nascimento, nos últimos cinco anos, há pelo menos 15 casos de funcionários da franqueadora e da rede franqueada que se tornaram donos do próprio negócio.
— Conhecer a marca, seus atributos ajudam principalmente a como se comportar dentro da rede. E o conhecimento da parte prática beneficiam queimar etapas, principalmente na captação e retenção de aluno.
Vontade de ser patrão
Para o CEO do Grupo Trigo, Antonio Moreira Leite, a cultura empreendedora da rede também estimula a vontade dos funcionários de ser “patrão”.
— O grupo está fazendo 20 anos. Estabelecemos um ritmo de crescimento de dois dígitos anuais e tem sido assim na última década. De microempresa nos transformamos em uma organização de médio porte. Com isso, abrem-se oportunidades dentro da organização. Esta dinâmica intraempreendedora, aliada ao fato que o funcionário conhece profundamente o negócio, facilita muito a transição de funcionário para dono de franquia — acredita ele.
No Spa das Sobrancelhas, houve um boom de empregados que começaram a abrir lojas da rede, em paralelo ao trabalho da empresa.
— Para gerir uma loja é necessária a dedicação total do franqueado ao negócio e à equipe. Assim, separamos as atividades e organizamos para que nossos colaboradores com interesse em abrir uma franquia fossem apenas franqueados e exercessem as atividades da loja in loco — explica Jane Muniz, sócia-fundadora.
O Grupo Alento Franchising — dono das marcas Vizinhando, Billy The Grill e Naa! Sushi — está começando a desenvolver uma formatação de negócio para os funcionários que desejam se tornar franqueados.
De acordo com o sócio-fundador Luiz Felipe Costa, os programas de incentivos e descontos para funcionários serão embasados nos descontos em taxas de franquias e, também, no apoio para levantamento de capital e recurso, de forma facilitada em bancos parceiros.
— Vale muito a pena criar um programa especial para os funcionários, pois são pessoas que acabam se engajando mais porque são defensoras da marca. Se você trabalha com uma marca e decide investir, é porque realmente você acredita nela — considera Costa.
Funcionário engajado x problemas

Para a franquia, é ótimo quando um funcionário decide abrir uma unidade, especialmente em termos de alinhamento de expectativas e valores . No entanto, o empreendedor apaixonado pela marca fica míope para enxergar problemas decorrentes ao empreendimento. Um olhar de fora é importante para a tomada de decisão, lembra Mauro Félix, coordenador dos cursos de graduação na área de gestão da Celso Lisboa Escola de Negócios.
— Por isso, antes de decidir pelo empreendimento, é importante que o futuro empreendedor converse com outros franqueados e experimente o serviço ou produto da franquia enquanto cliente/consumidor, pois isso o ajudará a perceber pontos negativos ou até mesmo falhas nos processos e na modelagem da franquia — afirma ele.
E já houve muitos casos nos setores do franchising em que o funcionário usou todo o know-how aprendido com a franqueadora e lançou uma outra marca bem parecida. Muitos foram parar na Justiça.
— Ao trabalhar na franqueadora, a pessoa acaba entendendo muito bem o funcionamento do negócio e conhece a “cozinha” da franqueadora. Ou seja, sabe sobre fornecedores, produtos, marketing, gestão da empresa, treinamento etc. Então cabe à franqueadora se proteger no momento da contratação dos funcionários em posição estratégica da empresa e que terão acesso à “fórmula de sucesso” da franquia por meio de cláusulas contratuais muito bem desenhadas — explica Lyana Bittencourt, diretora executiva do Grupo Bittencourt, consultoria para varejo, indústrias e franquias.
Cláusulas de proteção
Para Lyana, uma maneira de evitar esse tipo de problema são a “cláusula de confidencialidade” e “cláusula de não concorrência”.
—Devem estar no contrato de trabalho e deixar muito claros os limites de atuação como: limitação territorial, limitação temporal (por quanto tempo essa pessoa não pode trabalhar no mesmo segmento de atuação da franqueadora – atualmente, o judiciário tem aceito dois anos de bloqueio) e limitação material (abrangendo de forma clara o core business da franquia e de todo o know-how transmitido) — explica ela.
Fonte: O Globo