Inteligência artificial, machine learning, blockchain, carros elétricos. Se, em algum momento, você relacionou esses tópicos a empresas do futuro, saiba que talvez esteja equivocado. Ao menos, essa é a opinião de Mike Walsh, futurista, escritor e CEO da consultoria Tomorrow. Na sua visão, as empresas do futuro ainda dependerão de pessoas.
Autor dos livros The Algorithmic Leader: How to Be Smart When Machines Are Smarter Than You, Futuretainment e The Dictionary Of Dangerous Ideas, Walsh passou pelo Brasil a convite do KES. O escritor falou com exclusividade a Época NEGÓCIOS.
No papo, discutiu sobre o futuro das empresas, privacidade, impacto da tecnologia nas relações de trabalho e até deu sua opinião sobre como o Brasil pode se comportar nas próximas décadas. Pode-se dizer que Walsh conhece o país. Nos últimos 15 anos, esteve por aqui pelo menos cinco vezes. “O Brasil nunca será o Vale do Silício. É preciso encontrar o seu próprio caminho”, diz.
Abaixo, veja os melhores momentos da conversa:
Você promove a ideia de que o planeta é uma grande cidade conectada. Fale mais sobre isso.
A ideia de conectividade tem diversas manifestações. A mais visível, na minha opinião, é a de supply chains (cadeias de suprimentos). Eu acho ridícula a ideia de tarifar e cobrar impostos em produtos importados hoje em dia. Quando você olha para um produto, é preciso vê-lo como uma manifestação de uma cadeia de suprimentos globalmente interconectada. Isso é a globalização. O que quero dizer é que praticamente tudo que usamos hoje em dia foi “tocado” por potencialmente milhões de pessoas ao redor do mundo. Essa é a mágica do século 21.
Mas a ideia não se limita às cadeias de suprimentos. É preciso pensar em informação, algoritmos e big data também. Os vencedores do futuro serão as plataformas globais capazes de colher dados de diferentes mercados para criar produtos personalizados e experiências melhores. Pegue a Netflix, por exemplo, que usa dados de usuários suecos para criar produtos visando o mercado da Índia. O próximo passo da competitividade será formado por players que consigam escalar globalmente usando algoritmos e big data.
Mas o que não pode faltar na empresa do futuro?
A companhia do futuro vai depender de pessoas. A verdadeira vantagem competitiva virá da capacidade das pessoas criarem soluções disruptivas para problemas. Ela vai oferecer ideias criativas e entender falhas nos sistemas, sendo capaz de tomar decisões de alta qualidade em larga escala. E é aí que entra a tecnologia. As empresas do futuro terão que saber aliar humanos e máquinas de maneira criativa.
Nessa equação, qual é o peso de cada lado?
Acho que a saída é encontrar o fluxo de trabalho correto. Para isso, precisamos fazer algumas perguntas: como identificar as decisões que serão automatizadas? Como saber quando um ser humano deve trabalhar em parceria com as máquinas? Quando robôs devem estar mais presentes do que os humanos? As pessoas dentro das empresas precisam pensar nisso.
De todas as tecnologias que avançaram nos últimos anos, qual mais impressiona?
Não há dúvidas de que a tecnologia mais significante dos últimos anos foi o ressurgimento do machine learning e do deep learning, porque mudou a forma como pensamos a computação. Mesmo na era digital, sempre foram humanos por trás dos softwares, definindo 100% do funcionamento da tecnologia. Agora, o cenário mudou – e o entendimento da programação também.
Hoje, é possível criar novos tipos de experiências a partir de uma quantidade massiva de dados, possibilitando que sistemas aprendam sozinhos. É por isso que estamos passando por um momento em que inteligências artificiais ficam cada vez mais precisas. De um dia para o outro, o Google Tradutor ficou muito melhor. Vai chegar um dia em que vamos conversar com a Alexa [assistente virtual da Amazon] como se fosse mais alguém em casa. E vai acontecer da noite para o dia.
E qual delas mais te assusta?
Nenhuma, em específico. O que mais me assusta é a ideia de que nós, humanos, estamos criando um mundo no qual não queremos viver. Se nós nos esquecermos da importância do propósito e do trabalho com significado, se usarmos algoritmos para manipular e controlar a população, vamos voltar à uma ideia antiga da Revolução Industrial, na qual humanos são apenas parte das máquinas. Ao meu ver, a única diferença é que agora estamos usando abordagens mais sofisticadas.
Nas suas palestras, você fala que precisamos nos preparar para o que está por vir. O que está por vir e como nos prepararmos?
Cada vez mais, as empresas serão feitas de algoritmos. Precisamos entender – os líderes, principalmente – que é o desenvolvimento dessa tecnologia que determinará a experiência dos consumidores. Mesmo assim, não vejo companhias pensando intencionalmente em melhorar nesse aspecto. Não vejo empresários refletindo sobre essas linhas de código. Eu acho que isso precisa mudar. É necessário pensar sobre as experiências que queremos entregar, e aí fazer uma pergunta: será que estamos usando tecnologia de maneira construtiva e empoderadora?
E a questão do desemprego estrutural causado pela tecnologia?
É difícil, porque as pessoas imaginam que, conceitualmente, a tecnologia pode tirar empregos, mas a verdade é que isso ainda não está sendo visto. O que não significa que não vai acontecer. Um exemplo perfeito é a da Kodak, que bateu recorde de vendas de filmes para câmeras analógicas um ano antes da chegada da câmera digital. É difícil prever o futuro, porque tudo pode mudar repentinamente. Por mais que tenhamos visto mudanças nos últimos anos, acho que não estamos perto do que a chegada da inteligência artificial pode causar. Ainda não estamos sentindo a pressão que vai transformar a natureza do trabalho. Mas estamos perto disso acontecer.
E como você vê o futuro do Brasil?
Sabe a piada de mau gosto que falam sobre o Brasil, certo? Dizem que o Brasil é o país do futuro e sempre será. Eu acho que o país tem uma oportunidade de reconhecer as suas fraquezas, apoiar-se nas suas qualidades e tentar se posicionar para o futuro. O Brasil não vai se tornar o Vale do Silício. É preciso encontrar o seu próprio caminho.
Fonte: Época Negócios