Quase dez meses após o anúncio do governo de Cuba de que sairia do programa social Mais Médicos, que recebia profissionais de saúde para trabalhar no SUS desde 2013, a situação de muitos cubanos ainda é incerta. O Ministério da Saúde estima que cerca de 2 mil médicos do país caribenho tenham ficado no Brasil após o fim do convênio com a Organização Pan-Americana de Saúde. Um deles é Yuniel López Martínez. O médico de 31 anos chegou ao Brasil para integrar o programa em agosto de 2017 e trabalhou por pouco mais de um ano no município de Porto Walter, Acre. Hoje, está desempregado e conta com a ajuda da esposa, servidora pública no mesmo município, e da família dela para sobreviver.
Segundo ele, quando ainda estava em Cuba, providenciando a documentação para entrar no programa, já circulavam rumores de que o Mais Médicos seria encerrado após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Ainda assim, veio ao Brasil em busca de trabalho. “Não recebi nenhuma assistência quando fiquei sem emprego. Às vezes fico com vergonha, porque não estou acostumado a ficar em casa sem trabalhar. Na minha cidade, não encontro trabalho em lugar nenhum. Nem em farmácia, que é onde a maioria dos outros cubanos que estão trabalhando conseguiram emprego”.
Retornar para Cuba também não é uma opção para os que decidiram ficar no país. Os médicos que aderiram ao programa cedo e já estavam naturalizados quando ele foi encerrado sofreram menos com as sanções do governo cubano. Nesse período, Yuniel estava prestes a se casar e tomou a decisão de continuar no Brasil mesmo indo contra a determinação cubana. Segundo ele, por desrespeitar a decisão, hoje é considerado um “traidor” na sua terra natal. “Se eu voltar para lá, vou sofrer processos, terei que trabalhar nos piores lugares de Cuba e penso que não voltaria a ver a luz do sol”, lamentou.
Nesse cenário, a esperança de retomar a profissão e seguir a vida no Brasil também está se esvaindo. Na última terça-feira (3), o ministro da Educação, Abraham Weintraub, participou de uma audiência pública no Senado e criticou a maneira como o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira (Revalida) funciona no país. Ele defendeu que o exame passe a ser dividido em duas fases, a primeira eliminatória e teórica e a segunda prática. Além disso, sugeriu que a prova seja custeada pelo próprio estudante, e não mais pelo governo.
Caso a ideia se concretize, milhares de profissionais cubanos que desejam retomar a profissão ficariam impossibilitados. Yuniel lembrou que muitos ainda não estão nem legalizados no país e a maioria, desempregados. Alguns, segundo ele, recebem ajuda de amigos e até de pacientes que atendiam antes.
“Até agora não temos notícias sobre o Revalida, não sabemos o que fazer. Também estamos preocupados se tiver um custo financeiro para isso. Não somos mais ninguém para o governo de Cuba, então, ficamos aqui pedindo a Deus para que o governo nos dê uma oportunidade. É muito triste porque a maioria de nós está na mesma situação: sem emprego, sem famílias e sem esperanças em relação ao Revalida”.
Para substituir o Mais Médicos, Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, criaram o programa Médicos pelo Brasil . O objetivo ainda é levar médicos ao interior do país e regiões remotas que sofrem com a falta de profissionais. Também é esperado que o salário de R$11,8 mil aumente e que os médicos recebam bônus dependendo do local de trabalho. Apesar disso, o novo projeto não pretende incluir os profissionais cubanos remanescentes e vai contratar médicos através do regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), enquanto o governo encontra uma nova alternativa para esses profissionais.
Fonte: Época