O indígena Dyakalo Foratu Matipu, ou Farato, como gosta de ser chamado, passou em primeiro lugar para o curso de medicina por meio de um vestibular promovido pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), realizado em sua aldeia, Kuikuro, no Alto Xingu, Mato Grosso.
Farato disputou uma das seis vagas disponibilizadas para medicina – também haviam 5 vagas para odontologia e 2 para medicina veterinária. Ele já havia se formado em enfermagem no final do ano passado, mas sonhava com a possibilidade se tornar médico.
O agora estudante de medicina é da etnia Matipu, tendo nascido na Aldeia Kuikuro, mas criado na Aldeia Buritizal – todas localizadas na região do Alto Xingu.
Infelizmente, Farato relata que sempre sofreu preconceito por ser indígena – apesar disso, jamais desistiu dos seus sonhos. Até os dez anos, vivia na aldeia, onde pescava e jogava futebol com as outras crianças. Nessa idade, teve a oportunidade de ser alfabetizado.
“Eu soube que teria vestibular na aldeia um dia antes da prova. Pedi uma moto emprestada para um amigo e fui para a aldeia, que fica a 340 km de Canarana, cidade onde moro. A estrada é de terra e como havia chovido, tinha muita lama. Eu não conseguia me manter na moto. Caía e levantava o tempo todo. Tive que empurrar a moto por mais de 2h. Sai às 5h e cheguei na aldeia às 18h40. Assim que cheguei, mesmo sujo de lama, fiz minha inscrição para o vestibular, que estava programado para o dia seguinte, às 9h”, relata Farato.
O jovem afirma que sempre quis se tornar médico para ajudar sua aldeia, tendo despertado desde os 13 anos o sonho e a paixão pela área da saúde. Quando adolescente, fazia parte dos monitores de saúde da aldeia, que andavam de casa em casa para cuidar da saúde dos índios.
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“O reitor chegou lá de avião e nós fizemos uma apresentação de boas vindas para ele. Por isso eu estava pintado. Fiz a prova e depois a redação sobre desmatamento da terra indígena”, conta.
A entrada no curso de medicina é a concretização de uma promessa que Farato fez há 17 anos.
“Tinha que esperar o resultado. Estava ansioso, mas agora estou muito feliz e vou realizar meu sonho. Vou cuidar do meu povo. Eu acho que a palavra dos preconceituosos me dá mais energia para realizar meu sonho. Eu já tinha prometido há 17 anos, quando o contrato dos médicos que atendiam na nossa aldeia acabou. Lembro que chorei muito quando fiquei sozinho e prometi para mim mesmo que um dia eu faria medicina para ajudar meu povo”, diz ele.
Mudança para a cidade
Cinco anos antes, o jovem se mudou para Canarana, para cursar enfermagem. No início, seu pai não permitiu que ele saísse da aldeia.
“Ele (pai) tinha o sonho de ter um motor de popa para o barco. Juntei dinheiro e comprei para ele e disse: ‘pai, o sonho do senhor está realizado. Agora me deixe realizar o meu. Me deixe estudar’”, disse.
Em Canarana, o jovem recebia R$ 600 por mês, apenas o suficiente para comprar livros e pilhas de lanterna, uma vez que onde morava não havia energia elétrica.
O esforço converteu-se em diploma, cuja formatura aconteceu em 8 de dezembro de 2018.
Força de vontade
Agora formado em enfermagem e cursando medicina, o indígena orienta amigos e colegas a não desistirem dos seus sonhos. Exemplo de resistência, Farato conta que havia dias que não tinha o que comer; chorava, pensava em desistir.
“Meu café da manhã era água, meu almoço era água, minha janta era água. Meu sonho era cuidar do meu povo, mas ninguém me dava oportunidade”.
Seu principal conselho: não desamine com críticas alheias. Muitos duvidarão da sua capacidade e poucos o apoiarão no seu sonho.
“Se você quer ser alguém na vida, se você quer ser exemplo de alguém, você tem que ter coragem, confiança. Como diz a Bíblia, os humilhados serão exaltados. No começo ninguém vai te aplaudir, todo mundo pode rir, duvidando da sua capacidade. Mas quando você chegar lá no lugar que você queria, todo mundo te aplaude. A vida dá voltas. Seja forte”, conclui.
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Com informações do G1.
Fonte: Razões para Acreditar