Karnal é pop, mas não poupa ninguém!

Ele pode ser considerado uma figura controversa em que a frase ideológica “Brasil ame-o ou deixe-o” representa bem a dualidade por onde passa. Estou falando de Leandro Karnal.

Karnal é um divisor de águas porque cutuca as feridas da gente sem pena ou piedade, mas com muita elegância, sarcasmo na medida e o bom humor equilibrado. Ele vai fundo nos dilemas humanos. Uns adoram, outros, nem tanto.

Fez-se a Ética

Sem entrar em questões políticas partidárias, nesse espaço coloco e comento alguns trechos de uma entrevista exclusiva com Karnal, em que o papo foi basicamente a respeito de ética, um dos assuntos que Karnal irá abordar na sua primeira palestra em Manaus, que acontecerá no Studio 5 (Centro de Convenções – Plenária), no dia 04 de maio.

Os demais serão liderança e educação, extremamente importantes, porém diante do pouco espaço livre do entrevistado, preferi focar no assunto mais abrolhado e que, pra mim, é a espinha dorsal do resto de tudo no mundo!

Um homem de muitas palavras

Doutor em História Social pela USP e professor na UNICAMP, Karnal escreveu ou tem coautoria em vários livros. Alguns, inclusive, como “Verdades e Mentiras”; “Felicidade ou Morte”; “Pecar e Perdoar”; “Detração – breve ensaio sobre o maldizer”; e outros que também são sucesso de vendas no Brasil.

Ele está sempre deixando uma reflexão no ar e em programas como o do Jornal da Cultura, da TV Bandeirantes, no Café Filosófico e seus vídeos fazem maior sucesso na internet. Além disso, Karnal é membro do conselho editorial de muitas revistas científicas do país.

Professor, Karnal desenvolveu a habilidade de falar em público com maestria, um comunicador nato, que complementa a fala por meio da imagem forte, segura e determinada.

O primeiro tombo a gente nunca esquece

Eu me sentindo feliz por conseguir uma entrevista exclusiva com o palestrante pop, levo meu primeiro tapa logo na primeira pergunta. Pensando que as coisas estivessem mais voláteis, mais líquidas e plásticas nesse mundão em transformação, perguntei sobre a continuidade dos valores nesse cenário tão inconstante. Sabe o que ele me disse?

“Na verdade, há valores que duram muito. Racismo e misoginia são bons exemplos. O que muda é a tecnologia, a popularidade, os gostos musicais, o aplicativo, o hit do momento. A ética é válida para épocas de maior imaginário de permanência e é válida para momentos de modernidade líquida.

Quanto mais as coisas mudarem, maior o imperativo de uma ética sólida. Resta saber em qual momento, o Brasil, os valores teriam sido bons. Seria hoje ou no século XIX?

Hoje o racismo é crime inafiançável, no século XIX, havia escravidão. Valores familiares? Espancavam-se crianças até o limite no passado. Hoje há leis contra a prática. Vivemos em uma era mais desregrada hoje ou há cem anos? Falar em valores distorcidos é criar um imaginário de um passado brilhante e ético que nunca existiu”.

Percebi ali que estava enrascada e o chute doeu, mas engoli o choro e continuei. Vem, vem, pensei, quero saber mais!

Entre tapas e história

No segundo soco a adrenalina já tinha tomado conta do físico e soltei a pergunta referente à nossa dificuldade em internalizar que se “os fins não justificam os meios” porque persistimos nesse jogo perverso, pois – na minha humilde condição de aprendiz -, sempre achei que a proposição não é a mais ética e ai páá.

“Porque a dedução da ideia (os fins justificam os meios, uma deformação de Maquiavel) sempre funcionou. Não internalizamos porque os fins, de fato, justificam os meios.

Funciona colocar o amoralismo como método de ação. O crime compensa e enriquece ao criminoso, ao político e ao traficante. O problema é que não compensa por muito tempo.

Não existe sustentabilidade em médio e longo prazo baseada em amoralismo. Porém, o ganho imediato pelo desvio ético (colar na prova) é obtido no instante da ação e o benefício do estudo regular é vivido ao longo de muitos anos.
Funciona como o anabolizante: ele é eficaz, apenas não é sustentável. O desvio ético é uma realidade concreta, o princípio ético é uma abstração filosófica. Isso explica o sucesso do primeiro”.

Uma viagem ao centro dos eus

A partir daí senti o desejo de buscar uma explicação mais existencial e disse que se conseguimos viajar ao espaço, mas não avançamos na psicologia humana (inclusive mantendo-nos antiéticos), perguntei ao Karnal se estaríamos fadados às limitações da mente e como poderíamos avançar.

Lá veio uma rasteira e a resposta do professor foi bem mais simples e prática. “Somos egoístas. O grande desafio é somar estes egoísmos para tornar o ambiente produtivo. Eu quero a cidade mais limpa possível porque isso me faz bem. Eu não jogo lixo na rua.

A motivação não seria meus elevados princípios, porém meu egoísmo. O jogo de buscar seu bem e promover a ordem e a convivência para que cada um, para que você em particular, esteja bem, é um jogo que demanda muita coerção e muito consenso.

Somos falhos nos dois itens no Brasil. A maior dificuldade é incluir-se na equação. Quase sempre olhamos para os outros e chegamos a dizer: o brasileiro é malandro, como se eu fosse alemão”.

Crianças como você

Para tentar escapar de outro golpe, fugi pro assunto Educação, achando que o excesso de liberdade que até levam alunos a surrarem professores, precisava ser repensada, já que as crianças precisam de “certos limites” e perguntei como poderíamos compatibilizar e educação dos pais com a da escola.

Tinha acabado de me enforcar com a pergunta, pois Karnal respondeu “que essa visão da Educação como libertária ou aberta é pouco fiel ao mundo real. Os jovens tradicionalmente não decidem currículos, não escolhem professores, não adotam livros didáticos, não debatem modelo de avaliação e tudo o mais.

Cada vez mais está emergindo o cliente em detrimento do aluno e este sim, tem demandas específicas que são respeitadas pelo interesse da rede privada. Porém, em geral, a Educação continua arcaica e autoritária.
Todas as pessoas precisam de limites: pais, diretores, coordenadores, alunos e professores. Os limites fazem parte da formação da criança e da vida do adulto”.

Fim de jogo

Já sem fôlego pra continuar, tentei deixar o clima mais amistoso e perguntei sobre sua vinda à Manaus, e ele disse que é sua primeira palestra na cidade, mas que já conhecia a Amazônia.

“Existe a exuberância natural do bioma e a história viva e pulsante do Amazonas. Sendo o maior estado brasileiro e rico em tradições históricas como a economia gomífera. Há tantas outras questões, sempre tive interesse na região.
Sou fã da obra genial de Milton Hatoum. O Brasil ainda precisa sair da sua obsessão Sul-Sudeste. Está na hora de superar, enfim, o Tratado de Tordesilhas”, encerrou Karnal.

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