O momento é histórico. CEOs com mais de 50 anos têm o desafio de gerenciar quatro gerações no mesmo ambiente e lidar com as novas tecnologias e ferramentas de trabalho. Mas, por vezes, eles têm de encarar o etarismo, ou seja, a discriminação baseada em estereótipos relacionados à idade.
No auge da carreira, esses profissionais podem sofrer uma pressão para deixar o cargo. Porém, na contramão desse pensamento, eles se sentem mais ativos do que nunca, aptos a exercer suas funções e gerenciar uma empresa. E alguns fatores permitem esse cenário, como o aumento da expectativa de vida e a abertura do mercado de trabalho para contratar pessoas nessa faixa etária.
“Eu tenho uma enorme ambição para a empresa. Todos os dias são novos desafios, novas oportunidades e pressão por resultados”, diz Thomas Case, de 85 anos, fundador e CEO da Pés Sem Dor. Antes, ele fundou e gerenciou a empresa de vagas de emprego Catho por dez anos. É engenheiro mecânico de formação e empreendedor por ambição.
O cargo de liderança, porém, veio muito antes, aos 38 anos de idade, quando chegou ao Brasil para presidir uma companhia. Desde aquela época, mantém um espírito desbravador, buscando sempre ir além de onde está. Tanto que, para ele, a ambição é algo “maravilhoso”, porque motiva às realizações. “Eu tenho uma enorme ambição para a empresa. Todos os dias são novos desafios, novas oportunidades e pressão por resultados”, diz.
E não há idade ou argumentos quando o que pauta a empresa são os dez valores estabelecidos por ele, que incluem “cumprir sempre a palavra”, “ser eternamente insatisfeito com os resultados” e “competir agressivamente, sempre de ‘olho’ na concorrência”. São princípios constantemente comunicados às equipes e às pessoas que vão até a sala do empresário, onde a filosofia organizacional está estampada na parede atrás da mesa dele.
Assim como ele, outros três CEOs ouvidos pelo Estadão, na faixa de 50 a 70 anos, seguiram o caminho do empreendedorismo, tendo assumido esse cargo antes ou não. Mas ter um negócio próprio nessa fase da vida é apenas um dos caminhos. “Hoje, pessoas 60+ podem tranquilamente assumir posições no mercado, que está aberto para alguns segmentos onde falta experiência”, afirma o sócio e consultor sênior da ZRG Partners, Darcio Crespi.
Nesse momento, em vez de falar de um plano de carreira, ele destaca o modelo de projetos, em que as companhias buscam profissionais em nível de diretoria que já tragam uma experiência específica. “É uma expertise para estabilizar o lugar, estabelecer problemas específicos, trazer um conhecimento que falta no negócio. Com essa ideia, a limitação de idade foi caindo”, completa ele, que tem 70 anos. Crespi avalia que cabe ao profissional também questionar o que o motiva, ter uma rede ampla de contatos para além da área em que atua e um olhar expandido para as oportunidades. É preciso entender, no entanto, que algumas concessões serão necessárias. Tanto as empresas têm de abrir espaço à pessoa madura quanto o profissional poderá concordar em atuar numa empresa de menor porte e, eventualmente, ganhar menos.
“Alguns preferem fazer consultoria, dividir o conhecimento com várias empresas. Outros preferem operar. As pessoas ficam mais maduras e conscientes do que querem para vida e do que podem receber”, diz o especialista em recrutamento executivo. “Se fez uma boa carreira, pode entregar valor em outros tipos de empresa, mas com desafio interessante.”
A média de idade dos CEOs ao redor do mundo é de 53 anos, segundo a 19ª edição do estudo CEO Success, da PwC, que analisou as 2.500 maiores empresas de capital aberto do mundo de 2004 a 2018. O levantamento mostra que no ano 2000, um CEO ficava no cargo por oito anos ou mais, em média. Porém, na última década, o mandato foi de apenas cinco anos.
“Mesmo quando a vida do CEO se torna desagradável, brutal e curta, 19% de todos eles conseguem permanecer no topo por dez anos ou mais, com um mandato médio de 14 anos”, escrevem os especialistas da PwC.
A liderança madura ganha espaço, diz Rachel Maia
Aos 51 anos, Rachel Maia é CEO da RM Consulting, fundada por ela em 2018, e conselheira em empresas de diferentes segmentos. Mas estar em cargos C-level não é uma novidade para a executiva. Nos anos 2000, foi CFO (diretora financeira) da joalheria Tiffany & Co, onde assumiu o posto de CEO de forma interina por pouco mais de um ano. Na década seguinte, foi CEO da Pandora e da Lacoste no Brasil.
Nessa trajetória, a executiva é conhecida por ser a primeira mulher negra nesses cargos de liderança. “Eu costumo dizer que em nenhum momento da minha carreira profissional eu fui convidada por ser mulher ou preta. Dentro do mundo corporativo, isso nem sequer era pauta”, diz a empresária.
Por isso, ela conta que precisou mostrar suas qualificações e diferenciais, a potência que tem e a forma como se coloca diante de demandas e problemas. Essa postura também serviu para a questão da idade. “Foi preciso muito trabalho, estudo e me colocar na linha de frente daquilo que coloquei como objetivo em minha carreira profissional e pessoal.”
E assim como muitas das pautas de diversidade e inclusão, a discussão etária está avançando, mas com um intenso trabalho de base ainda a ser feito. Rachel aponta que não era difícil ver pessoas 50+ na liderança, mas o perfil se diferenciava do dela. Se antes o padrão era o homem branco e socialmente estável, hoje, mulheres e negros estão galgando e ocupando cargos hierárquicos com a ascensão dos programas de D&I.
“Mas ainda somos poucos. Não há tantas como eu, com a mesma idade, gerindo e fazendo parte de tomadas de decisões. Acredito que, neste momento, há um olhar mais receptivo para uma liderança madura, estamos mudando a rota”, avalia.
E como diversidade é pauta norteadora para Rachel, ela preza por isso na equipe que tem e nos projetos nos quais trabalha. Numa relação de via de mão dupla entre ela e as diferentes gerações, uns aprendem com os outros. Para lidar com perfis profissionais distintos, a empresária diz assumir uma posição observadora, de estudar cada perfil e o modo como irá os impulsionar.
Para ela, a maturidade contribuiu para o olhar especializado que tem hoje, a partir das próprias vivências, como CEO. Mas também entende que precisa acompanhar as novas tendências a fim de construir e alcançar uma liderança autêntica, diversa, genuína.
“Como CEO, busco ser uma agente de transformação. O desafio é tentar construir agendas e políticas públicas para descentralizar as desigualdades enraizadas no que tangem a vivências de pessoas negras, mulheres, LGBTQIAs e todos aqueles que são apagados de alguma forma”, diz.
“Acredito que o aprendizado seja esse. Sei que são necessárias as mobilizações, mas tenho aprendido, ao longo de anos de carreira, como fazer tudo de forma especializada”, completa.
*Com informações do site Tribuna do Norte