Não é novidade que as mulheres constituem uma importante força no mercado de trabalho. Mesmo assim, não estão – em sua maioria – em cargos de gerência ou na direção das grandes corporações. Por que ainda é tão difícil mudar essa realidade?
Numa pesquisa rápida pela internet, podem-se encontrar dados estatísticos que comprovam o posto de segundo lugar para as mulheres quando o assunto é trabalho, o que é desalentador se nos conscientizarmos que estamos no século XXI, vivenciando rupturas e transformações socioeconômicas e culturais em velocidades comparadas a um GP de Fórmula 1. Mas, no descompasso da aceleração alguns obstáculos dificultam a ultrapassagem feminina no ambiente profissional.
É fato que as mulheres ganham menos que homens. Segundo matéria publicada no O GLOBO (05/03/2017) a mulher ganha 76% do salário dos homens, já nos cargos de gerência e direção, a proporção cai para 68%. Outro dado da reportagem mostra que apenas 37% delas estão em cargos de chefias nas empresas. Ganhando menos e ocupando cargos menos importantes, é preciso lembrar que do lado de fora das empresas, as mulheres desempenham uma jornada desigual no ambiente familiar.
Isso nos remete à história, a colonização – e a sua estrutura patriarcal -, contribuiu para manter o silêncio feminino, já que as mulheres não tinham voz e nem vez. Sujeitos invisíveis, as mulheres figuravam em condição de subserviência e mantinham papel secundário na vida social, limitando-se aos afazeres domésticos e à criação da prole. Gilberto Freyre, que estudou a sociedade patriarcal disse em certo momento que “é característico do regime patriarcal, o homem fazer da mulher uma criatura tão diferente dele quanto possível. Ele, o sexo forte, ela o fraco; ele o sexo nobre, ela o belo”.
Tempos depois, o movimento feminista contribuiu para que as mulheres fossem – gradualmente – conquistando outros espaços. Em 1979, o cineasta Daniel Filho rompeu com o conservadorismo da época – e em pleno Regime Militar – criou e dirigiu o clássico “Malu Mulher”, seriado exibido na Rede Globo. Malu representava a nova mulher: livre, independente e dona de seu nariz. A teledramaturgia brasileira lançava a mulher-profissional e mãe, que lutava por dignidade e igualdade de direitos.
Apesar disso, até os dias atuais, o laço com o passado resiste, pois são elas as responsáveis pelo andamento da casa: desde a comida que será servida à mesa à educação dos filhos, passando pela manutenção do jardim e do botão despregado. Essas atividades nunca foram divididas em pé de igualdade com os homens. Nesse quesito, elas estão sempre na pole position, um posto invisível mesmo que represente o alicerce familiar.
Por longo tempo, subsistiu no imaginário coletivo a crença do “sexo frágil”, imputada à mulher por não ter a mesma força física do homem. Tal afirmação se espalhou por décadas e extrapolou o limite físico entre os gêneros, de modo que nós mesmas, muitas vezes, acreditamos que não iremos dar conta de um cargo de direção na empresa. Mesmo intelectualmente capazes, competentes e preparadas, um suspiro de insegurança nos invade.
Para Kátia Andrade, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos – Amazonas (ABRH-AM) o fator cultural ainda coexiste. “Talvez, ainda hoje, inconscientemente, a mulher se coloque em uma posição de inferioridade social, em decorrência de uma herança cultural machista, que a obrigou a estar na retaguarda e não na linha de frente. Isto talvez explique a dificuldade de aceitação de mulheres nos cargos de direção das empresas brasileiras. Neste sentido, a mulher precisa acreditar mais na sua capacidade de liderança e exigir a posição que merece na sociedade atual, por tudo que investiu em sua capacitação, por tudo que agrega de valor às empresas e por tudo o que representa na instituição familiar, muitas delas sendo a principal responsável pelo sustento e criação dos filhos”, comenta Andrade.
Enfim, o assunto é extenso, o que nos permite amplas reflexões, porém, com a limitação das linhas, encerro com uma frase de Clarice Lispector que nos motiva a acreditar que os resquícios de uma cultura machista se desmancharão no ar: “o mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda!”.
PUBLICADO NO JCAM – JORNAL DO COMMERCIO