Quem atualmente está acostumado com o trabalho remoto, videoconferências, conversas sobre cotações de criptomoedas e a ascensão de fintechs, com uma demanda tão alta no setor de Tecnologia da Informação, talvez não se lembre como a tecnologia mudou nosso expediente corporativo nos últimos dez anos.
Quais promessas não vingaram? Quais players e setores se tornaram mais importantes? Quais foram as principais inovações que causam disrupção e agregamos em nosso cotidiano? E o que vem pela frente? O Canaltech refresca sua memória para você notar como as coisas avançaram rapidamente, rumo a um futuro cada vez mais digital.
Google Glass era um promissor acessório para o mercado de trabalho
Em 2012, havia uma grande expectativa sobre o uso de dispositivos vestíveis combinados com realidade aumentada (RA) e virtual (RV). O avanço de conectividade com a implantação de velocidades superiores de internet com o 4G e Bluetooth mais estável, combinados com a progressão de aparelhos da Internet das Coisas (IoT) prometiam uma revolução no mercado de trabalho. Nesse cenário, o Google Glass era o produto mais aguardado na época.
Contudo, o negócio não vingou. Embora os óculos inteligentes tivessem se mostrado úteis em testes importantes, como em uma cirurgia, em que um médico podia acessar a ficha do paciente apenas olhando para um QR Code enquanto suas mãos estavam ocupadas, muitas falhas de planejamento prejudicaram seu lançamento.
As principais questões que envolviam saúde e privacidade não foram bem resolvidas. Muitas pessoas reclamaram do impacto da novidade na sobre o sistema visual humano e no foco mental; e vários episódios resultaram em brigas, já que ninguém gosta de ser registrado sem consentimento por uma minicâmera ambulante acoplada em óculos. Além disso, tecnologias envolvendo RA e RV não estavam tão maduras na época; e a conectividade 5G, que hoje se mostra mais adequada para o funcionamento de um dispositivo como esse, estava ainda em desenvolvimento.
Assim, o mercado corporativo, e até os consumidores finais, abandonaram a ideia de usar óculos vestíveis como ferramenta de trabalho ou para recursos conectados a atividades de busca e conteúdo no dia a dia.
A ascensão do trabalho colaborativo e a inteligência artificial no setor corporativo
Em 2013, as atenções no mercado de trabalho estiveram voltadas para a alta de ambientes colaborativos. A conexão 4G e as empresas começaram a olhar mais para o trabalho remoto, que passou a ser mais difundindo no mundo todo. Profissionais já encontravam mais oportunidades para atuar sem a limitação geográfica. E, claro, os softwares evoluíram para esse fim.
Nesse cenário, a estreia da plataforma colaborativa Slack complementou o app de gerenciamento de fluxo de expediente Trello na formação de um ambiente rápido e prático para comunicação, planejamento de processos e execução de tarefas em equipe, seja à distância ou em escritórios com grupos presenciais no mesmo prédio — veja bem, antes, muitos times usavam soluções próprias ou uma combinação de apps, como o Windows Live Messenger e planilhas on-line do Google. Vale destacar que as soluções corporativas para nuvem ainda estavam em evolução para tarefas mais poderosas, especialmente para pequenos e médios negócios.
A combinação desses fatores criou um momento disruptivo na transformação digital das companhias, que passaram a investir mais em soluções colaborativas para escalar a produtividade. E as startups, que vinham progredindo como modelo de negócios desde os anos 1950, encontraram nesse cenário um terreno propício para saltar à fase de consolidação.
Empresas que já nasciam com raízes digitais usaram a mudança de mentalidade e as novas ferramentas de meados de 2010 para escrever novos capítulos em negócios dos mais diversos segmentos. A tecnologia permitiu que pequenas ideias e empreendedores de uma geração influenciada pelo Vale do Silício pudessem escalar lucros, investimentos e expansão em proporções sem precedentes.
Paralelamente, os avanços de redes neurais com inteligências artificiais (IAs) agindo de maneira mais poderosa, a partir de algoritmos avançados com aprendizado de máquina e visão computacional, deram suporte a uma estrutura em nuvem que abriu caminhos que antes pareciam apenas projeções da ficção científica.
Nesse cenário, a plataforma de serviços cognitivos para negócios IBM Watson, lançada em 2011, passou a ter papel mais atuante a partir de 2014; evoluiu para um patamar que a transformou em referência para o mercado de trabalho. O sistema de processamento que permite análise de linguagem natural, identificação de origem, interação por voz e outros recursos automatizados em larga escala, permitiu maior profundidade na integração de tarefas em todas as principais áreas corporativas.
E outras big tech também interessadas nessas áreas, como Google, Apple, Amazon, Facebook, Microsoft, além das gigantes orientais, aceleraram a criação de estações de trabalho de escala global e vastas redes colaborativas apoiadas em nuvem com IA.
Redes sociais para negócios, expansão da nuvem e a Indústria 4.0
O Facebook, que no começo dos anos 2010 estava em seu auge com a proposta de lucrar com publicidade em meio aos bilhões de usuários, em 2015 continuava funcionando primordialmente como uma plataforma de distribuição de conteúdo e veiculação de anúncios. Mas Zuckerberg, seu criador, já tinha percebido o potencial para conversão de vendas de serviços, produtos e influência.
Conexões de web mais rápidas, dispositivos mais poderosos e nuvem turbinada com ferramentas cognitivas de negócios aceleraram uma mudança de paradigma — os assistentes virtuais se tornaram comuns em todos os sites de vendas e plataformas sociais, apoiados por conjuntos de aplicações (APIs) de fácil instalação.
Os serviços de nuvem passaram a ser primordiais para o boom de vendas digitais mais rápidas e seguras, graças a ferramentas inteligentes. As estruturas de plataformas de negócios em nuvem se tornaram incrivelmente robustas em pouco tempo, e a receita de Software como Serviço (ou Software as a Service – SaaS) virou a principal fonte de lucro de gigantes como a Microsoft, com o Azure; e a Amazon, com o Amazon Web Services (AWS).
As redes sociais deixaram de ser um ponto de encontro para os usuários e passaram a ser também vitrines para compras. Os influenciadores digitais, os profissionais de análise de dados para negócios (business intelligence) e os especialistas em nuvem, assim como designers orientados para experiência do usuário (ou user experience, UX), multiplicaram-se no mercado. O mesmo pode-se dizer de trabalhadores da área de marketing digital e de análise de motores de busca (ou Search Engine Optimization – SEO).
E essa evolução toda chegou ao chão das fábricas. Em 2016, a esperada Quarta Revolução Industrial, ou Indústria 4.0, tornou-se uma realidade, com uma estrutura tecnológica que permitia diminuir custos e realizar operações integradas em tempo real. A manufatura modular e a otimização de processos em todos os setores resultaram em novas interações entre homem e máquina.
Postos de trabalho foram substituídos por máquinas, enquanto outros empregos nasceram, assim como o aperfeiçoamento de competências e habilidades. Por exemplo, a montagem de carros elétricos autônomos ou a logística para separação, distribuição e envio de produtos, aposentaram muitos cargos do passado, transferidos para robôs comandados por IA; e exigem profissionais com uma capacitação completamente diferente.
A indústria de 2016 passou a ter estrutura física, planejamento, processos, profissionais, montagem, entre outras atividades comum ao setor, bastante distintos do que se via dez antes.
Disrupção de serviços tradicionais no mercado de trabalho com as startups
O Uber não é uma empresa de transporte. O Nubank não é um banco. O iFood não é um grupo de entrega de alimentos. Todas são companhias de tecnologia. Elas lucram com mais com os dados e a monetização das informações com diversos serviços e produtos, e não exatamente com as atividades tradicionais a que estão atreladas.
Isso levou a uma grande mudança de paradigma no mercado, pois a regulamentação, as diretrizes, a fiscalização e as penalidades vigentes sobre negócios locais não conseguem encaixar os novos modelos impulsionados pela tecnologia nas regras estabelecidas há décadas para as atividades empresariais tradicionais. As leis não acompanham a velocidade das inovações e mudanças causadas pela transformação digital.
O que vemos de 2016 até o momento atual, então, é o constante debate sobre regulação das atividades dos mercados disruptivos impulsionados pela tecnologia. E isso causa um grande impacto nos postos de trabalho que formam o ecossistema das novas plataformas, tanto na oferta de empregos e nas leis trabalhistas quanto nas próprias experiências e possibilidades de compra para os consumidores.
O sucesso de startups, que escalaram rapidamente e avançaram agressivamente sobre setores tradicionais, causou — e vem causando — grandes mudanças em todas as áreas de produtos e serviços. Desde 2017 temos visto diversos setores “startupando” suas atividades com modelos de negócios semelhantes: depois das fintechs e dos apps de transporte e delivery, vieram as edtechs (educação), as healthtechs (saúde), as insurancetechs (seguros), as beautytechs (beleza), sport-techs (esporte), tech recruiters (empregos), traveltechs (turismo), proptechs (imóveis), legaltechs (jurídico), entre outras empresas de tecnologia atuando em segmentos que passam pela transformação digital.
Blockchain, trabalho remoto e metaverso
A partir de 2017, a cibergurança passou a ganhar mais destaque, já que, com o sucesso da tecnologia de criptografia de mensageiros como o WhatsApp e Telegram se mostraram confiáveis para a troca de mensagens em ambientes mais confiáveis. Isso impulsionou a busca por soluções de privacidade e de proteção, já que, com o aumento de superfícies vulneráveis conectadas à nuvem e em dispositivos com diferentes níveis de defesa dos trabalhadores remotos viraram alvo para criminosos cada vez mais sofisticados.
A descentralização de dados com a tecnologia blockchain promoveu o nascimento das criptomoedas e plataformas de pagamento mais confiáveis, já que os fragmentos de dados usados nas operações e a anonimização das informações dos usuários oferecem maior resistência à atuação de criminosos. Assim, o Bitcoin impulsionou o mercado de criptoativos e causou grande impacto nas instituições que operam com investimentos tradicionais.
Já entre 2019 e 2021, com o auge da pandemia de covid-19, o ambiente colaborativo que já havia se expandido a partir de 2013, ganhou ainda mais recursos, devido à demanda por plataformas corporativas integradas se tornaram a principal maneira de se comunicar durante o distanciamento social. Com isso, o Zoom, o Google Meet e o Microsoft Teams tiveram que ampliar suas ferramentas e público-alvo — os softwares não tinham que atender somente os profissionais e empresa, como também alunos e professores de todas as idades, como também usuários que antes não conseguiam sequer abrir uma videoconferência, a exemplo de muitos consumidores mais velhos ou que não se interessavam por tecnologia.
E o que vem por aí a partir deste ano? Bem, o foco agora é no metaverso, que aprende com os erros de tentativas de mundos virtuais do passado, como o Second Life e o Habbo Hotel; e agrega o que ambientes digitais de jogos como Minecraft e Fortnite expandiram em termos de engajamento e opções de atividades para promover um universo em que tudo o que vem evoluindo no mercado de trabalho desde 2012 possa funcionar de uma maneira integrada.
Assim, o ambiente colaborativo, as atividades sociais digitais, a compra e os pagamentos com blockchain, as opções de compra do e-commerce, as múltiplas ferramentas de comunicação e produtividade; e softwares mais poderosos com uso de IA e nuvem com dispositivos e conexões mais avançadas, têm sido a base para a concretização do metaverso — que só desacelerou sua ascensão porque o mundo vive uma recessão causadas pelos efeitos da pandemia, da guerra entre a Rússia e Ucrânia e das altas de juros e inflação, que têm causado demissões em massa e congelamento de contratações no mercado de TI.
Ainda não dá para dizer se o metaverso realmente vai conseguir combinar interações que são muito mais eficientes na vida real com os recursos de produção, comércio, pagamentos, entretenimento, comunicação e marketing e distribuição de conteúdo das plataformas virtuais. Mas esse é atualmente o maior foco atualmente no mercado de trabalho, que, claro, vai continuar evoluindo em uma velocidade ainda maior.
E, daqui a dez anos, se o metaverso não tiver vingado, pode ter certeza que os passos dados pelo seu possível fracasso serão usados como um caminho para novas possibilidades. Assim como o Google Glass foi em 2012.
Fonte: CanalTech