Projeto ajuda ex-presos a voltarem para mercado de trabalho

Responsa foi criado pela assistente social Karine Vieira, egressa do sistema penitenciário, e oferece mentoria e capacitação

A arrematadeira Andressa Augusto Ruiz, de 41 anos, e o facilities Edevaldo Batista, de 36 anos, trabalham com carteira assinada graças ao Projeto Responsa. Ambos deixaram o sistema penitenciário de São Paulo e começaram uma nova vida longe do crime.

Para a assistente social Karine Vieira, idealizadora do Responsa, que ajuda a reinserir ex-presos no mercado de trabalho, faltam oportunidades. “Quando você dá chance para uma pessoa que quer transformar a sua vida, que quer sair daquele mundo, ela abraça”, afirma.

De novembro de 2017 até hoje, o projeto, sediado em São Paulo (SP), já empregou 25 egressos com carteira assinada e cerca de 80 pessoas em trabalhos temporários.

Andressa conta que mudou de vida completamente há 10 meses, quando começou a trabalhar em uma confecção parceira do projeto. Depois de 20 anos na criminalidade, deixou a cadeia pela última vez em 13 de dezembro de 2017 e conheceu a iniciativa de Karine por meio de uma amiga.

Em meio a sorrisos de satisfação, Andressa comemora que usa o salário para construir uma casa no quintal da sogra, o maior sonho de sua vida. O registro na carteira assinada é a vitória de Andressa.

“Para mim é um troféu, sabia? Tenho todos os benefícios e todo mês eu tenho meu salarinho: pego em um dia, gasto no outro, mas pelo menos é um dinheiro honesto que rende”, afirma. Os seis filhos — a sexta que ainda está na barriga — também são a motivação de Andressa: para ela, a mudança de vida fez com que ficasse mais perto deles e fosse mais respeitada.

Mesmo tendo trabalhado em outros lugares, Andressa diz que não conseguia oportunidades por ser egressa. “Não adianta você vir, trabalhar sem vontade. Tem que vir, pensar ‘eu quero uma nova vida'”, afirma.

A primeira prisão aconteceu quando Andressa fumava crack em um hotel da cracolândia — hoje, já faz 10 anos que não consome drogas. Segundo ela, o Denarc (Divisão Estadual e Narcóticos da Polícia Civil) chegou ao local e prendeu todos que estavam lá. Na segunda vez, quatro anos depois de deixar a prisão, foi presa no ponto de tráfico que vendia drogas, grávida de três meses. Hoje, a filha tem um ano e quatro meses.

“Eu optei pelo caminho certo. Demorou, mas uma hora ficha caiu. Sou bonitona, vou ficar nessa vida atrás de grade? Sai fora”, diz com o sorriso estampado pelo batom azul.

Edevaldo também conheceu Karine e o Responsa por meio de uma indicação. Dos 36 anos de vida, passou 14 anos e 2 meses atrás das grades. Saiu da prisão pela última vez em maio de 2014 e, até novembro de 2017, vivia de bicos. Fez algumas entrevistas, mas não conseguiu ser contratado em nenhuma delas. O preconceito muitas vezes esteve presente.

“Tem um pouco de preconceito sim. [O recrutador] já te dá a folha e nem olha na sua cara para fazer a ficha. Quando te entrega, nem olha para você”. No entanto, Edevaldo considera que a má qualificação também fecha portas para ex-detentos.

Para ele, reclamar por ser egresso não é a solução dos problemas e que é normal enfrentar preconceito da sociedade.

Mesmo que o mercado de trabalho não tenha sido fácil para Edevaldo, ele se profissionalizou enquanto estava em regime semiaberto. Fez cursos de elétrica, hidráulica e pintura. Em novembro deste ano, completou um ano de carteira assinada em um coworking na região de Pinheiros, cargo que conseguiu pelo Responsa.

“Eu fui conquistando a admiração deles [patrões] pela minha determinação, pela minha conduta aqui dentro também. Sempre prestativo, procurando ajudar, eu sou carta coringa”, comenta orgulhoso.

Depois de conseguir o emprego, Edevaldo diz que conquistou um estilo de vida completamente diferente, começou a conviver com outras pessoas, percebeu melhoras na autoestima e na forma como é olhado pela família.

Sobre o futuro, Edevaldo afirma que a vida está boa como é hoje. “Eu estou tão bem. Acho que sempre pode melhorar, mas está ótimo assim. Se tiver que melhorar, deixa na mão de Deus”.

Quando tudo começou

O projeto Responsa surgiu da vontade da assistente social Karine Vieira, de 37 anos, de ajudar os egressos do sistema prisional a voltarem para o mercado de trabalho. Egressa, Karine resolveu deixar a vida do crime depois de 15 anos de atuação, sem abandonar os amigos que fez nas ruas de São Paulo.

Pensando nos filhos, Karine resolveu voltar a estudar para dar o primeiro passo para a mudança de vida. “Comecei a pensar que eu não ia virar as costas para aquelas pessoas que fizeram e fazem parte da minha vida. Simplesmente eu ia chegar com eles de uma maneira diferente, não ia ser mais fechando no crime, ia ser fechando de uma outra maneira”, explica.

Aos quase 29 anos, Karine estava desiludida com os amigos que perdeu no crime, alguns para as grades, outros para a morte. Prestou Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e, por meio dele, conseguiu uma bolsa de estudos para estudar Serviço Social.

A partir de então, atuou em um núcleo de medidas socioeducativas e também na Agência de Empregos Segunda Chance, do Grupo Cultural Afroreggae. Em 2017, conheceu membros do Instituto Ação pela Paz, que ouviram a história de Karine e deram o empurrão necessário para tirar o Responsa do papel.

Hoje, o projeto recebe mentoria nas áreas financeira e executiva para profissionalizar ainda mais o negócio e fazer com que ele se expanda. O Responsa é um dos participantes do programa de fellows do Instituto Humanitas360 e surgiu, oficialmente, em novembro de 2017.

“Nós funcionamos como uma empresa de recursos humanos”, explica. O Responsa atende os egressos que chegam até o projeto e oferece um curso de capacitação mensal, que tem como objetivo ensinar como passar por um processo seletivo, qual a postura adequada, as roupas e a linguagem.

Como participar no Responsa

Os egressos interessados em participar do Responsa podem entrar em contato com Karine e a equipe por meio da página no Facebook, do site do projeto ou pelo telefone (11) 98103-5865.

Karine também conta que o boca a boca também costuma ser uma boa divulgação para o projeto. Quando a pessoa entra em contato, os membros do Responsa agendam uma entrevista para entender o perfil do egresso e quais suas pretensões: se deseja voltar a estudar ou realizar um curso profissionalizante, por exemplo. Depois disso, o egresso é encaminhado para a capacitação.

Desde a primeira entrevista, a equipe analisa o grau de comprometimento com o projeto. “Nós traçamos o score para ver se ele é uma pessoa que está assiduamente aqui”, afirma. Segundo Karine, os egressos com melhor resultado são os primeiros a serem selecionados para as entrevistas de emprego.

Os parceiros são fundamentais para que o projeto funcione. Hoje, as empresas parceiras abrem vagas, preenchidas pelos egressos, que são encaminhados pelo Responsa para o processo seletivo. O Responsa tem menos de 10 parceiros e busca por mais empresas que se identifiquem com a causa.

Quando uma empresa contrata um ex-presidiário com a mediação do projeto idealizado por Karine, ele automaticamente passa a ter apoio para a manutenção desta pessoa na companhia.

Na maioria das vezes, os problemas são simples de resolver, como atrasos e postura no geral. “Questões que têm como ser corrigidas, mas que levam um tempo, porque são pessoas que nunca tiveram essa cultura do trabalho e o empregador tem que ter essa consciência de que isso vai levar um tempo, mas vai funcionar”, explica.

Fonte: https://noticias.r7.com

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