Foto: Cimone Barros/Ascom

Secas e cheias devem tornar-se mais intensas e frequentes na Amazônia nas próximas décadas, aponta pesquisador do Inpa

A Amazônia é o maior bioma brasileiro e o mais biodiverso do mundo dentre as florestas tropicais contínuas. A Floresta Amazônica oferece importantes serviços para a humanidade, como a regulação do clima do planeta Terra, as trocas de calor e água, incluindo a geração de chuvas de boa parte do Brasil e América do Sul, e o estoque de carbono. Mas queimadas, desmatamentos e eventos extremos de secas e cheias têm alterado a dinâmica da Amazônia e comprometido a vida dos que habitam no bioma.

Nas últimas décadas, o número de secas tem aumentado consideravelmente. Em 2024 os prognósticos indicam que a seca será maior que a registrada em 2023, quando o Rio Negro atingiu 12,70 metros em 26 de outubro, em Manaus. O nível foi o menor já registrado desde que a medição começou no porto da capital amazonense, em 1902. Até está quarta-feira (4/9), a cota estava em 19,01 metros, com uma vazão de −25.00 cm, vazou até 7.84m. , vazou até 7.84m.

No Dia da Amazônia, 5 de setembro, data que busca chamar a atenção para a importância da preservação do bioma amazônico, entrevistamos o meteorologista Renato Senna, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) e coordenador de hidrologia do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera (LBA/Inpa-MCTI), para explicar o fenômeno, os prognósticos da estiagem para 2024 e os seus impactos.

Renato Senna realiza pesquisas de monitoramento das bacias hidrográficas da amazônia, é chefe do laboratório Amanã, editor-chefe do Boletim de Monitoramento Climático de Grandes Bacias Hidrográficas: Bacia Amazônica, publicado pelo Inpa, com atualização semanal, contendo informações das condições registradas nas principais bacias da região. O pesquisador colabora com o Monitor de Secas da Agência Nacional de Águas como validador pelo Amazonas e também com o Alerta de Cheias do Amazonas, evento anual coordenado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB/Sureg-MA).

Inpa: Qual o prognóstico para a estiagem no Amazonas em 2024? A situação será mais grave que a do ano passado? 

Renato Senna: O diagnóstico é de uma situação atual mais grave do que a ocorrida no mesmo período de 2023, e as perspectivas não são muito animadoras em termos de chuvas. O trimestre setembro, outubro e novembro se caracteriza pelo final de estação seca e transição para o início da estação chuvosa. Neste momento, os oceanos Atlântico e Pacífico, principais responsáveis pela determinação do comportamento das chuvas na região amazônica, se encontram mais próximos da neutralidade, ou seja, não indicam condições de melhora significativa nas chuvas. Assim, a expectativa é de que os grandes rios da região se mantenham em regime acelerado de descida nos próximos dias, podendo repetir cenas dramáticas vistas no ano de 2023.

Inpa: Por que e como chegamos a esse ponto? Estamos há dois anos seguidos com estiagens severas, considerando que em 2023 foi a maior dos últimos 120 anos.

Renato Senna: Os oceanos determinam o comportamento das chuvas na região. Entre junho e julho de 2023 surgem, simultaneamente, o El Niño – águas mais aquecidas – no Pacífico e o aquecimento anormal do Atlântico Tropical Norte. Esses eventos contribuíram para redução das chuvas na região amazônica, por alterações na circulação atmosférica e induzindo movimentos de subsidência do ar em regiões de formação de nuvens, dificultando o desenvolvimento das nuvens e reduzindo os volumes observados principalmente durante a estação chuvosa (dezembro de um ano até abril do ano seguinte). O que comprometeu a recarga dos rios e assim gerando uma cheia de pequenas proporções e por consequência propiciando uma seca severa novamente.

Inpa: Quais as consequências de termos eventos extremos tão próximos um do outro?  

Renato Senna: As comunidades ribeirinhas, os povos nativos, a fauna e a flora são muito afetados, pois eventos de seca prolongada geram acúmulo de matéria seca junto ao solo da floresta, criando condições muito favoráveis aos eventos de incêndios e grandes queimadas, muitas vezes de origem criminosa. As populações locais também são extremamente impactadas, observamos que durante grandes cheias isso não ocorre e, portanto, estas populações apresentam maior resiliência à cheia do que a seca. Em eventos de seca as populações tradicionais têm dificuldades em diversos aspectos sociais e econômicos, com a limitação de transporte, saúde, educação, insumos, mercadorias e até mesmo água potável.

Inpa: Quando esta estiagem deve encerrar? Quando voltará o período de chuvas no Amazonas? 

Renato Senna: O período de chuvas normalmente se inicia no final de novembro de cada ano, dando início à estação chuvosa do ano seguinte. Em 2024, ainda não temos previsão de que irá se iniciar mais cedo ou mais tarde do que a climatologia indica. Neste momento, há um indicativo de um evento no qual águas mais frias surjam no Pacífico. Isso pode favorecer um aumento dos volumes de chuva em nossa região somente nos últimos meses do ano ou provavelmente no início de 2025, gerando uma estação chuvosa abundante e diminuindo os efeitos destes dois anos de seca observados em 2023 e 2024.

Inpa: Enquanto sociedade, o que aprendemos com a seca de 2023? O que deveríamos usar desse aprendizado? 

Renato Senna: Precisamos entender que secas são processos que se desenvolvem gradualmente e continuam por largos períodos, então devemos dar mais importância a estudos de monitoramento das chuvas na região, pois as chuvas são as grandes responsáveis por abastecer os rios e reduzir as consequências das grandes secas. As secas e as cheias tornaram-se mais frequentes e intensas desde a virada do século XXI, estes eventos deverão se tornar parte da nossa nova realidade, e, portanto, devemos adaptar nossos estudos para essa nova realidade. Outra lição aprendida em um evento recente, em Fortaleza (10 anos do Monitor de Secas do Brasil), foi a frase dita pelo presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Eduardo Martins: “A primeira coisa que a chuva leva é a memória!”

Inpa: O que podemos esperar para os próximos anos?

Renato Senna: Infelizmente, para os próximos anos, mais eventos e mais de secas e cheias deverão ocorrer em nossa região. O Atlântico Tropical Norte se encontra em uma fase positiva (aquecimento) de um ciclo que dura entre 50 e 70 anos (o ciclo atual iniciou no final do século XX e início do século XXI), assim os próximos 25 anos têm potencial de intensificar os eventos climáticos em nossa região.

Inpa: A fumaça intensa em Manaus (decorrente de queimadas), que nas últimas semanas tem nos impedido até de respirar, impacta no regime de chuvas ou em alguma outra questão que venha agravar a estiagem?

Renato Senna: Recentes pesquisas indicam que sim. Em recente publicação de pesquisa com participação do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) revela como as queimadas interferem no desenvolvimento de nuvens de chuva na Amazônia. Os pesquisadores usaram imagens de satélite e medições da quantidade de partículas formadas pelas queimadas e constataram que elas tornam a atmosfera mais estável e dificultam os movimentos verticais das massas de ar. Isso impede que as nuvens ganhem altura e limita o resfriamento que leva ao congelamento das gotas de água, possivelmente, reduzindo a ocorrência de chuvas e aumentando a incidência dos raios solares no solo. Os resultados do trabalho são descritos em artigo publicado na revista Communications Earth & Environment, do grupo Nature. (https://jornal.usp.br/ciencias/cientistas-revelam-como-queimadas-afetam-formacao-de-nuvens-de-chuva-na-amazonia/)

Inpa: Quais as principais contribuições do INPA no entendimento e enfrentamento desses eventos extremos? 

Renato Senna: O desenvolvimento das pesquisas no Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), AmazonFACE e no projeto do Observatório da Torre Alta da Amazônia (ATTO) geram dados e conhecimentos fundamentais para o entendimento de como esses fenômenos climáticos irão afetar nossa região e também o planeta no futuro.

Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA/Governo Federal.

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