O upcycling, uma espécie de alquimia culinária que transforma o desperdício de alimentos em ouro comestível, é uma das tendências ambientais mais encorajadoras em CPG (Bens de Consumo Embalados, na sigla em inglês). As empresas alimentícias que estão apostando nesse tipo de empreendedorismo esperam fazer pelo menos uma pequena redução no enorme problema do desperdício de alimentos, fazendo uso dos subprodutos da produção, bem como restos de plantas e partes de animais (pense em peles de peixe crocantes) e produtos imperfeitos.
Desde o início da Upcycled Food Association em 2019, entidade criada nos EUA, o grupo comercial relata que seu número de membros aumentou para 255 produtores de alimentos, e suas empresas membros tiraram quase 500 toneladas da rota do desperdício de alimentos.
Nem todos os novos alimentos reciclados podem agradar a todos os paladares, mas há um destaque: a Blue Stripes Urban Cacao, cujos investidores incluem a Hershey Co. Toda a linha de produtos da startup estreou na Whole Foods em maio de 2022 e a empresa está encerrando seu primeiro ano parcial de negócios com US$ 4,5 milhões (R$ 23,2 milhões na cotação atual) em vendas. Para 2023, a estimativa é triplicar as vendas, diz Oded Brenner, CEO da startup.
Fábricas de chocolate geralmente descartam tudo, exceto o fruto do cacau (na verdade, as sementes) que a polpa branca envolve. Cerca de 70% do fruto do cacau é desperdiçado – o que significa que os fabricantes de chocolate normalmente jogam fora a maior parte da polpa e da casca da fruta, apesar de toda a energia e recursos necessários para produzi-los. E considere que são necessários de dois ou três frutos de cacau para fazer uma única barra de chocolate.
Esse segredo obscuro da produção de chocolate realmente incomodou Brenner. Embora o chocolate tenha sido processado por centenas de anos, a maioria das pessoas nunca provou o fruto do cacau. “Eles não sabem sobre seu incrível potencial oculto”, diz o empreendedor em série.
Ele fundou a Max Brenner Chocolate em Israel, em meados da década de 1990, permanecendo após sua aquisição pelo Strauss Group em 2001 por US$ 5 milhões (R$ 25,8 milhões). A rede se expandiu internacionalmente, com mais de 50 pontos de venda em seu auge. Enquanto ainda estava lá, ele também abriu uma rede de padarias. Infelizmente, as coisas não terminaram bem. Brenner foi processado em 2012 pela Strauss, sob a alegação de que a rede de padarias violou sua cláusula de não concorrência. Depois de gastar recursos consideráveis na batalha legal, ele foi forçado a deixar a empresa e ficar fora do setor por cinco anos.
Mas seu retorno não decepcionou. Em 2019, Brenner abriu uma nova loja no Greenwich Village, de Manhattan, que junto com sócios foi chamada de Blue Stripes Cacao Shop. “Criamos um conceito onde você pode beber e comer todo tipo de coisa feita de cacau.” A loja estava indo bem, mas em 2020, quando a pandemia de Covid-19 fechou os negócios de varejo em Nova York, Brenner precisou reavaliar e aproveitou a oportunidade para girar e repensar seu modelo de negócios.
“Eu queria dizer adeus à parte de varejo da minha vida e mudar para CPG”, explica ele.Brenner e sua equipe começaram a trabalhar no desenvolvimento de produtos CPG que utilizavam todas as partes da fruta do cacau rica em antioxidantes e aproveitavam suas propriedades de superalimento. Eles prensavam a polpa a frio para fazer água de cacau; moeram a casca em uma farinha sem glúten e extraíram o açúcar de cacau da fruta; e também transformaram a fruta em misturas para smoothies.
Até grão de cacau inteiro foi preparado, coberto de chocolate polvilhado com a casca em pó e açúcar de cacau, em vez de cacau em pó. A variedade feita com manteiga de avelã, a preferida de Brenner, contém três gramas de fibra e 11% da necessidade diária de ferro para um adulto, de acordo com a tabela nutricional da embalagem. Também é rico em magnésio e fósforo, entre outras coisas. As saborosas misturas de granola e os mixes da fruta do Blue Stripes obtêm sua crocância das cascas moídas e sua mastigabilidade de pedaços de cacau seco. O açúcar de cacau é usado como adoçante.
Dizer ‘sim’ a todo o cacau
As reviravoltas na jornada de um empreendedor contêm momentos de puro acaso. No caso de Brenner, a decisão de enviar uma caixa de amostra para a Whole Foods, incluindo uma fruta inteira de cacau para um efeito de impacto, produziu resultados inesperados. “Eles disseram ‘queremos lançar toda a linha de uma vez, em todas as 550 lojas’”, lembra Brenner. “Não podíamos dizer não.” Isso significava acelerar rapidamente, uma tarefa desafiadora, mas não impossível.
Após o lançamento No Whole Foods, em maio de 2022, outras redes de supermercados procuram por uma parceria com a startup, como Sprouts e Kroger, também fecharam acordos. Os investidores da Blue Stripes incluem a Hershey Co., que assumiu uma participação estratégica inicial na empresa. Até o momento, o Blue Stripes arrecadou cerca de US$ 16 milhões (R$ 82,7 milhões) e está buscando levantar outros US$ 10 a US$ 15 milhões em um futuro próximo.
Novos produtos de cacau reciclado já estão em andamento. Como os alimentos Blue Stripes são todos veganos, ele quer fazer chocolate ao leite com leite de aveia. A startup também está trabalhando em uma barra inteira de cacau com tahini – como um halvah misturado com chocolate amargo.
Brenner, que já sonhou em ser um romancista antes de cair no mundo do chocolate, diz que sua carreira tem sido principalmente como contador de histórias. “Estou usando comida como minha caneta”, diz ele. Até mesmo sua embalagem alegre conta uma história que promove sua missão de reciclagem, com imagens coloridas e extravagantes de gorilas e pássaros tropicais. Além de seu foco ambiental, a Blue Stripes visa ajudar seus agricultores equatorianos comprando o produto diretamente deles.
Brenner espera que as histórias que conta, por meio de seus produtos de cacau, inspirem mais pessoas a experimentar alimentos reciclados e abraçar a missão. “Vejo muito nas redes sociais que as pessoas entendem o que estamos fazendo. Eles estão ecoando nossas mensagens e ecoando nossa missão.”
*Com informações do site Forbes