Nesta quinta matéria da 4ª edição do “Você Empreendedor”, mostramos a produção de um sabonete de açaí é o ponto de partida para o “financiamento” da expansão do acesso à água tratada que já alcançou dezenas de famílias de ilhas do entorno de Belém. O DIÁRIO DO PARÁ desenvolve o projeto para mostrar que participar da 30ª Conferência das Partes (COP30), como empreendedor, pode ser uma oportunidade única para contribuir com soluções sustentáveis e inovadoras para os desafios ambientais globais,
Mas afinal, o que um sabonete artesanal feito a partir de caroços de açaí, ou seja, do residual do fruto, pode ter a ver com a ampliação do acesso ao saneamento? A startup Ver-o-Fruto, que funciona no Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá, tornou essa relação possível ao apresentar um sabonete facial e a criação de sistema de tratamento de água que não necessita de aditivos químicos.
A engenheira de produção Ingrid Teles, pesquisadora e fundadora da Ver-o-Fruto, é a criadora da tecnologia. Com a venda dos sabonetes ela consegue acumular recursos para financiar a expansão de um sistema que transforma água do rio em água própria para o consumo humano. Para ajudar as comunidades que não podem arcar com o valor do sistema, a empresa destina R$ 1 da venda de cada unidade do sabonete à construção da engrenagem que depois é entregue a comunidades vulneráveis.
Tudo começa na verdade há cerca de quatro anos, com duas grandes inquietações de Ingrid: uma sobre a destinação dos resíduos da produção açaizeira, e outra sobre o acesso insuficiente de água tratada por populações moradoras das ilhas que cercam Belém. Recém-formada à época, ela começou a estudar o caroço do açaí e também o da manga, e conseguiu desenvolver uma tecnologia para tratar a água doce, a partir desses resíduos.
“Eu precisava de um mercado para começar, mas não tinha dinheiro, nem patrocínio ou investidor. Minhas pesquisas me levaram ao cuidado com a pele, desenvolvi uma fórmula de sabonete de açaí para o rosto, e com o pouco que eu tinha, fiz minha primeira produção. Meu objetivo sempre foi criar uma base sólida, para depois voltar ao propósito do tratamento de água. Tudo que precisamos já está no nosso meio, não precisamos extrair nada”, explica.
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FÁBRICA
Hoje a produção é terceirizada e feita em Benevides, na Região Metropolitana de Belém, em uma fábrica que pode produzir até mil sabonetes por mês. “Não quero deter a produção. A Ver-o-Fruto é uma sala de 36m2 no PCT, e da forma como é, posso pensar em estratégia sem precisar pensar na produção. Temos um acordo, o terceirista tem minha formulação e só eles podem reproduzir. Eu quis que as parcerias ficassem no Pará. Tive muita proposta para terceirizar em São Paulo, mas quis aqui porque a matéria-prima está aqui, é um sabonete 100% paraense”, conta.
O PCT Guamá é uma iniciativa do Governo do Pará, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Técnica e Tecnológica (Sectet), que conta com a parceria da Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e gestão da Fundação Guamá. É o primeiro parque tecnológico a entrar em operação na região Norte do Brasil e tem como principal objetivo estimular a pesquisa aplicada e o empreendedorismo inovador e sustentável.
Multipremiada, a Ver-o-Fruto já conquistou o Mutua/Anprotec de Inovação e Empreendedorismo, StartUP Pará, Inova Amazônia, E-Hackaton de Água e Saneamento na América Latina e Caribe, Climaton, Incubação Young Water Fellowship Latinoamérica, edital Mulheres Empreendedoras ASG, prêmio Samuel Benchimol e honraria Alumni Diamante da Faculdade Estácio, além de participar da aceleração do BNDES Garagem de Impacto.
PESSOAS
Ingrid parte do princípio que a bioeconomia é feita pelas pessoas que estão na floresta. “Estou em Belém, eu trabalho, mas não estou na ilha plantando, colhendo. O primeiro passo é olhar para o povo da floresta. Como a Ver-o-fruto atrela e fortalece essa cadeia: quando damos acesso ao básico, principalmente água e saneamento. Queremos ser facilitadores desse acesso de uma maneira mais em conta e de qualidade, mostrar aos interessados que queremos trabalhar juntos. Acreditamos no poder da transformação”, finaliza.
E claro que Ingrid está de olho nas oportunidades que a COP30 em Belém trará tanto para a sua startup como também para seu plano de continuar disponibilizando tratamento hídrico a quem mais precisa. “Estamos com uma mega oportunidade, de visibilidade local. Acredito que já está fazendo muita coisa pelo empreendedorismo no nosso estado, mas principalmente fazendo esse amadurecimento e crescimento de uma maneira mais acelerada, deixando até mesmo um legado, porque com isso nós vamos conseguir ter mais resultados. Não é algo que vai ser só para ou durante a COP, vai ser algo que vai perdurar. E com a realização do evento aqui também, tem toda essa possibilidade de parceria com empresas que podem estar vindo para o evento”, avalia a empreendedora.
Ela faz questão de destacar que hoje a Ver-o-Fruto se beneficia com a inserção de novas tecnologias, com o foco na internet das coisas. E ainda na área de cosméticos conta com três novos produtos, todos desenvolvidos a partir de insumos da Amazônia. “Temos todo um roadmap para seguir, com o objetivo de fortalecer tanto a nossa marca quanto de aperfeiçoar e de levar acesso à água para mais regiões da Amazônia”, antecipa. O objetivo da Ver-o-Fruto é, até dezembro deste ano mesmo, cobrir a Ilha do Combu com acesso à água.
“Também já temos lá na Ilha das Onças um sistema que está sendo utilizado por seis famílias, e ainda em novembro estaremos em um quilombo no interior do Amapá para entregar um sistema que vai levar acesso à água para 100 pessoas”, detalha, reforçando que todo o trabalho de crescimento da startup é vinculado à missão social que motivou tudo.
“Ano que vem queremos chegar a outras ilhas próximas e já iniciar conversa também com outros locais responsáveis de outras localidades da Amazônia. Nos próximos três anos, nosso objetivo é cobrir a maior parte da Amazônia legal e também já focar no mercado externo”, conta, adiantando que já conversa com alguns investidores de fora do país sobre essa possibilidade. “Não tem como nós falarmos de bioeconomia, não tem como nós falarmos de desenvolvimento local se nós não temos hoje um acesso a bem básico como a água”, encerra a engenheira de produção.
Você empreendedor
- A 4ª edição do “Você Empreendedor” conta com 12 reportagens publicadas desde 10 de novembro sempre aos domingos, terças e quintas, com a última publicação prevista para 5 de dezembro.
Fonte: Dol.