Voluntariado doe-se a essa causa!

Intimamente ligado à religião, o voluntariado surgiu da caridade e por meio do Cristianismo se disseminou mundo afora. Mas, mais que ações fraternas isoladas ou pontuais o voluntariado ganhou status profissional e no mundo tem se tornado um estilo de vida, um compromisso social permanente. Entretanto, no Brasil, ainda são poucos os que adotaram essa atitude. Precisamos criar a cultura da doação!

O tempo não para

Estamos sobrecarregados e o tempo não é suficiente. Além disso, nos exigimos ao máximo. Não basta ser um bom profissional, marido ou esposa é preciso fazer os principais cursos da área de atuação, praticar esportes, falar vários idiomas, e se isso não bastasse, é preciso cuidar da alimentação, da saúde, dos filhos, dos cachorros e por aí vamos seguindo! Não sobra tempo.

Essa foi a reclamação de boa parte dos 2 mil brasileiros de 135 municípios ouvidos na pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha e encomendada pela Fundação Itaú Social em 2014, que teve o objetivo de mapear o número de voluntários no Brasil.

Na época, numa visão geral, constatou-se que apenas 11% da população realizavam alguma atividade voluntária. Essa porcentagem corresponde há cerca de 16 milhões de voluntários.  Já no mapeamento que elencou os motivos para não praticar o voluntariado, foram apurados que 40% dos entrevistados disseram não ter tempo, 29% alegaram que nunca foram convidados, 18% disseram que nunca pensaram nisso e 12% não sabem onde obter informações sobre o assunto. Ou seja, há um potencial enorme a ser explorado e estamos perdendo a oportunidade de estender a rede do bem.

Desde sempre

A prática de ações voluntárias vem sendo exercida há séculos. Desde as civilizações mais remotas, encontram-se relatos de acolhimento e abrigos aos carentes, por exemplo. Porém, com o estabelecimento do Cristianismo no século IV, a igreja passou a receber doações.

O autor do livro “A Civilização Feudal – do ano mil à colonização da América”, Jérôme Baschet, ex-aluno da renomada Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris, e reconhecidamente o maior medievalista vivo, apresenta trechos na obra em que menciona, além das riquezas da Igreja, o espírito de doação dos fiéis.

Um deles, exemplificando, ele cita que “o poder material da Igreja repousa, em primeiro lugar, sobre uma excepcional capacidade de acumulação de terras e bens. O processo inicia-se desde o século IV, quando os cristãos começam a fazer doações à Igreja, especialmente nas vésperas do trespasse, a fim de assegurar a salvação de suas almas no além” (BASCHET, 2011, p. 171).

Tornando-se a intermediária entre Deus e os homens, a Igreja, na lógica medieval, constituiu-se em um poderoso alicerce religioso e de intersecção social, estabelecendo comportamentos, regras e normas as quais até hoje reverberam socialmente.

Entretanto, mesmo sendo um país tão religioso o voluntariado ainda não decolou no Brasil. Mas, é mais adiante na obra de Baschet, que vamos encontrar na figura de São Francisco, a personificação da caridade e envolvimento ao próximo.

Entre os séculos XI e XIII, surgem as ordens mendicantes e Francisco, filho de um mercador rico, rompe o modelo burguês e parte em busca de ideais mais elevados contrários à acumulação terrena. Renuncia à herança paterna e se desnuda para viver junto aos pobres. Era o início da Ordem Franciscana.

O ato de Francisco traduz o propósito humanitário por associar a figura de Cristo ao amor aos pobres em total desprendimento dos bens materiais. Talvez esse seja um indicador antropológico e sociológico que transponha no tempo e reflita – até hoje – nosso desejo em ajudar ao próximo de alguma maneira. Isso se evidencia, principalmente, em períodos de catástrofes, quando, imediatamente, conseguimos nos mobilizar e angariar recursos materiais e humanos para socorrer as vítimas, porém, na mesma velocidade, passadas as situações, nos dispersamos.

No Brasil, as primeiras ações relativas ao voluntariado remontam à época da colonização. Ainda seguindo os pressupostos da Igreja Católica com as missões religiosas, foi em 1543 com a Fundação da Santa Casa de Misericórdia, na Vila de Santos, que a atividade ganhou destaque. Somente em 1907, no Rio de Janeiro, iniciaram os trabalhos da Cruz Vermelha.

Ainda seguindo a sequência cronológica, não poderia deixar de mencionar o trabalho edificante de Zilda Arns, médica sanitarista e pediatra, que fundou em 1983, A Pastoral da Criança e a Pastoral da Pessoa Idosa, organismos de Ação Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

No caso das crianças, há um acompanhamento familiar por líderes voluntários, por meio de uma metodologia própria, que garante o desenvolvimento e crescimento saudáveis, erradicando ou diminuindo muito a mortalidade infantil. Zilda morreu em janeiro de 2010, quando houve o terremoto no Haiti que devastou a cidade e destruiu a igreja enquanto ela discursava. 

Voluntariado empresarial

Mas, foi, sobretudo, na década de 90 que o voluntariado ganhou apoio e força, saltando para dentro das empresas que atentas aos problemas sociais, perceberam a importância do investimento no entorno. Assim, muitas delas criaram o “setor de Responsabilidade Social”, o qual engajava colaboradores a realizarem ações voltadas ao bem da coletividade ou de alguma comunidade que houvesse afinidade ou proximidade.

Propulsor da discussão sobre voluntariado, o sociólogo Betinho (Herbert de Souza), criador do IBASE, fundador da Ação Popular, coordenador da Campanha Contra Fome e etc, foi considerado personagem central desse novo olhar social empresarial. Foi incentivador do balanço social nas empresas e inaugurou a “era dos indicadores sociais”.

E em 1998, é sancionada a Lei do Voluntariado (nº 9.608) e foi criado, por um grupo de empresários e executivos da iniciativa privada, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) cuja missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável.

Foi esse espírito cooperativo e engajado que motivou Josefa Mustafa Tuma, diretora de Relações com o Mercado da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Amazonas (ABRH-AM) a se envolver na causa de RH, e há mais de 10 anos é uma figura de destaque na Associação. “Participei de um Conarh em São Paulo e fiquei encantada. Vi um número imenso de profissionais da melhor qualidade empenhados em oferecer, gratuitamente, o seu dom no intuito de desenvolver outros profissionais, procurando fazer com que cada um se descobrisse e pudesse ir além, fazendo mais e melhor. Assim poderiam alcançar um nível de excelência e consequentemente elevar o nível de sua empresa e de seus colaboradores”.

Voluntário, o transformador de realidades

A definição de voluntário das Nações Unidas é a seguinte: “voluntário é o jovem ou o adulto que, devido a seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social, ou outros campos”.

O voluntário pode doar recursos financeiros ou seu tempo e esse investimento social nos convida a relembrar qual é o verdadeiro sentido na vida, que vai muito além da acumulação material e da satisfação pessoal.

Afinal, a dita felicidade não deveria se concentrar apenas no nosso núcleo individual e sim na convicção do auxílio e compaixão aos demais por oportunizar que mais gente se sinta acolhida e confortável diante de tantas limitações ou estimular a excelência nas empresas ou ainda tornar o mundo um lugar autossustentável.

O voluntário é o cara do bem, consciente de seu papel no mundo e que contribui para fazer a diferença na vida de alguém ou abraça alguma causa.  Atua como um agente transformador de realidades, antenado à realidade mundial, sabe que há muita coisa por fazer.

Atualmente, o voluntariado transpôs o espaço físico e chegou às redes sociais. Já é possível ajudar o próximo trabalhando pela internet (sem sair de casa), por exemplo. Qualquer entidade social, de ajuda humanitária (são muitas), associações, Organizações Não Governamentais (ONG’s), ou igrejas (independente da religião), também têm espaço para absorver essa contribuição.

Ainda há entraves pra atrair gente, um deles é a falta de credibilidade decorrente da postura de muitas ONG’s, que comprometidas com política e corrupção, atuam de fachada e desviam dinheiro arrecadado. Outra mudança necessária diz respeito à tecnologia, é preciso desenvolver plataformas que auxiliem na captação de recursos e que dissemine informação para criarmos a cultura da doação. Enfim, há muito a ser feito.

Por que fazer o bem faz bem?

Como voluntária há décadas, aprendi que a vida só faz sentido se devolvermos ao planeta – de algum modo – um pouco do muito que usamos aqui.

São tantos os recursos que utilizamos da natureza e pouco fazemos pelo mundo e pelas pessoas. Acredito que, como forma de gratidão, se dedicar a alguma causa, ajuda a diminuir esse débito. O universo conspira e retribui!

Cada um pode ajudar devido a motivações filosóficas, profissionais, emocionais ou mesmo religiosas. O importante é descruzar os braços e colocar o coração e as mãos na massa! Vamos seguir o pensamento da Madre Tereza de Calcutá que dizia: “as mãos que ajudam são mais sagradas do que os lábios que rezam”. Feliz 2018!

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