Tese desenvolvida na UFSCar/SP constatou que os trabalhadores locais têm menores salários e são mais facilmente demitidos na Zona Franca de Manaus
Uma pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP) mapeou o trabalho em quatro fábricas chinesas da Zona Franca de Manaus e revelou que os chineses introduziram formas organizacionais diferentes do que vinha sendo observado nas fábricas de capital norte-americano, europeu e japonês já instaladas na ZFM. Constatou também que, em momentos de crise, os chineses têm mais privilégios, são mais protegidos em relação ao emprego, enquanto os trabalhadores locais são mais facilmente demitidos. A justificativa é de que os chineses têm maior qualificação e a manutenção deles no cargo é para que a matriz tenha maior controle sobre os processos produtivos na Zona Franca. Eles também têm a menor média de salários em relação aos fabricantes europeus e japoneses.
O estudo do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar foi desenvolvido por Cleiton Ferreira Maciel Brito, sob orientação do professor Jacob Carlos Lima, do Departamento de Sociologia (DS) da Universidade Federal de São Carlos. A tese de doutorado, intitulada “Made in China / Produzido no Polo Industrial da Zona Franca de Manaus: o trabalho nas fábricas chinesas”, foi desenvolvida com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
“Minha preocupação como pesquisador foi tentar quebrar o mito de que os chineses são as piores fábricas do mundo. Eles têm contradições, mas em Manaus, a questão maior é em termos de uma gestão menos participativa e mais técnica”, explica Cleiton Brito. Natural do Lago do Santana, área rural de Manacapuru, no Amazonas, Cleiton Ferreira Maciel Brito, fez graduação em Ciências Sociais e mestrado em Sociologia na Universidade Federal do Amazonas.
Expatriação e gestão técnica
Ao chegar a Manaus, no início dos anos 2000, os chineses mantiveram a linha do padrão de produção estabelecida anteriormente no local. No entanto, a maioria dos cargos de gestão passou a ser ocupada pelos próprios chineses, que se deslocam para a cidade e por lá ficam por um período mínimo de dois anos. Há predominância de mão de obra masculina. “Nas quatro fábricas analisadas, destaco como semelhanças a gestão de importação, a política de expatriação e a forma técnica da gestão da mão de obra”, aponta o pesquisador.
A tese demonstra a existência do que Brito chamou de ‘taylorismo chinês’ na ZFM e revela a percepção desse sistema pelo olhar dos trabalhadores locais, sindicatos e expatriados chineses. “O ‘taylorismo chinês’ se caracteriza por ser uma gestão mais técnica e menos participativa, chamada, pelos chineses, de uma política de ‘no feeling’. No lugar de uma política de produção de colaboradores, que tinha sido realizada nas fábricas locais sob influência da gestão japonesa, os chineses introduziram a produção de operadores. Há, nesse sentido, uma hierarquia rígida, numa gestão técnica voltada para a produção, e não nos marcos da aprendizagem organizacional ou com uma esfera relacional. Além disso, os chineses territorializam os espaços onde se instalam, ou seja, expandem seu território produtivo e sua produção, sem haver um desenraizamento”, explica.
Menores salários
O estudo também constatou que as fábricas chinesas oferecem a menor média salarial e menores benefícios aos seus empregados em comparação aos trabalhadores de empresas europeias e japonesas instaladas na Zona Franca de Manaus. “Não há um descumprimento das normas salariais, mas podemos dizer que os chineses concedem apenas o que manda a lei, sem avançar na emulação de trabalhadores e consequentemente na parte da motivação, o que mostra que eles são bem pragmáticos. Eles não abrem brechas para conversas, diálogos, participação e premiações”, constata. A pesquisa de Brito foi premiada, na área de Sociologia, com Menção Honrosa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Chineses e a política de dormitórios
Outro dado importante da pesquisa diz respeito aos expatriados chineses residentes na ZFM. exercem o controle, ao mesmo tempo em que são controlados. Por um lado, é uma espécie de conquista para eles estar fora da China, poder enviar dinheiro à família e ocupar um cargo de alta remuneração. No entanto, eles se sentem controlados por todos os meios – desde o momento em que adentram a fábrica, até quando saem e vão para seus apartamentos. “Os expatriados não saíram da chamada política de dormitório ao qual estavam submetidos na China, que consiste em enxergar o trabalho como parte de toda a sua vida, inclusive dormindo no mesmo ambiente. A expatriação, portanto, pode ser encarada como a expansão global da política de dormitórios que se vê na China; essa política, na ZFM, apenas se reinventa”, explica o pesquisador.
Brito relata que, em Manaus, os chineses residem em apartamentos, onde ficam horas, diariamente, preenchendo formulários e dando feedbacks às matrizes, além de não poderem trazer familiares para morar naquele ambiente. “Há um isolamento que os aflige e isso diferencia a China de políticas clássicas de expatriação, quando o morar com a família é um elemento chave para convencer alguém a ir para o exterior. Na China, a concorrência é tamanha que o processo joga a favor das empresas, e não dos expatriados. É uma dualidade, portanto, que se expressa em oportunidade e sacrifício”, avalia Cleiton Brito em sua tese de doutorado.
Metodologia da pesquisa
Os resultados da tese foram obtidos por meio de entrevistas, com questionários padronizados destinados às empresas, aos sindicatos e aos diretores da ZFM. A pesquisa de campo, com visitas às fábricas entrevistas com chineses e gerentes brasileiros, durou em torno de seis meses e todo o trabalho teve duração de quatro anos. Foi utilizado o método ‘Guanxi’. Este termo se refere à formação de uma relação de amizade entre duas pessoas e que implica em comprometimento e troca de favores entre elas.
É um método que tem sido utilizado por pesquisadores internacionais que, no caso de Cleiton Brito, teria o levado a um processo emocionante, pois teve contato com a cultura local e com os trabalhadores e suas rotinas. Agora, Brito já está desenvolvendo um projeto de pós-doutorado que vai investigar a relação entre a emergência global da China e suas implicações para a Teoria Social.
Fonte: https://www.acritica.com