O economista Martin Carnoy é professor da Escola de Educação da Universidade Stanford, na Califórnia, Estados Unidos. Membro da Academia Nacional de Educação em seu país, o pesquisador já trabalhou como consultor para organizações como o Banco Mundial, a Unesco e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Com a bagagem de quem já estudou a fundo o sistema de ensino em países como Brasil, Cuba e Chile, ele será um dos principais palestrantes do Educação 360 Encontro Internacional, que acontecerá nos dias 16 e 17 deste mês, na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca. Carnoy vai falar sobre caminhos que levam a melhorias na área. Nesta entrevista, ele alerta que é essencial investir no treinamento dos professores e deixa claro que o Brasil deixa muito a desejar nesse aspecto.
O senhor estuda o sistema de ensino no Brasil desde os anos 60. Que grandes mudanças observa na educação do país desde então?
Uma das principais mudanças começou ao longo dos anos 90, quando o governo federal ampliou o ensino médio. Até então, o ensino médio público no Brasil era pequeno. Ao mesmo tempo, a rede de educação superior se expandiu muito nos últimos 20 anos. São grandes mudanças em um pequeno espaço de tempo. O país enfrenta um problema antigo de qualidade de ensino. Isto pode ser resolvido, mas é preciso pensar a longo prazo. Tem que planejar onde se quer estar em 30 anos e pensar no que se deve fazer para chegar lá. Buscar mudanças significativas de curto prazo leva a muitos erros, e não muda nada. Não há mudanças de curto prazo na educação. Por isso, é preciso agir logo, não há tempo a perder.
Onde o país pode procurar boas práticas de ensino para reproduzir em sua rede?
Tem que começar procurando no próprio país. O Brasil tem que olhar para dentro. O Ceará, por exemplo, tem uma educação muito melhor do que você esperaria em um estado pobre. Outros estados e municípios poderiam procurar saber o que foi feito ali. Se não acharem as respostas, não é necessário buscar em outros países. Vocês conhecem os ingredientes para alcançar um ensino de qualidade, mas é necessário investir em bons professores, um bom currículo de ensino, nutrição adequada para as crianças, boa pré-escola… Os países que estão bem têm esses elementos. É factível, não há mistério.
O Brasil treina bem seus professores?
O Brasil não prepara bem seus professores, assim como muitos países. Já ouvi alegações de que os jovens que procuram as faculdades para se tornar professores no Brasil não são bons estudantes, mas isto não é verdade. As pessoas que completam a faculdade no Brasil são um sexto da população para aquela faixa etária. Ou seja, estão no topo. Em Stanford, desenvolvemos um programa de treinamento que está acontecendo no Brasil. Trabalhamos em universidades interessadas em treinar melhor os professores que preparam os futuros professores. As pessoas que treinamos são muito boas, tornam-se ótimos profissionais. Mas é preciso preparação. É insano colocar alguém despreparado numa sala de aula.
Então, qual é o grande obstáculo para que tenhamos professores mais bem treinados?
Programas de treinamento de professores no Brasil não são baratos. É preciso acompanhar os alunos, reunir-se com eles, mostrar o que estão fazendo de certo e errado. Os governos estão sem dinheiro e não querem investir nisso. Mas os gestores têm que desenvolver a cultura de querer bons professores, o que é totalmente possível com as pessoas que vocês têm. Há tremendas variações de desempenho entre alunos do ensino fundamental no Estado de São Paulo. Algumas áreas estão muito melhores que outras. É importante saber por que boas práticas são implementadas em certos lugares e não em outros.
Em 2009, o senhor lançou o livro “A vantagem acadêmica de Cuba”. Por que o país caribenho é um bom exemplo?
Cuba é um país pobre, mas com escolas ótimas. O governo determina como as universidades devem treinar os futuros professores. Quando eles saem das faculdades para lecionar em escolas, são monitorados de perto por dois anos. A escola se certifica de que eles estão seguindo o sistema. Além disso, as escolas alimentam os alunos adequadamente. Ser uma criança pobre em Cuba não é igual criança pobre em Brasil. Apenas as crianças de classe média alta no Brasil têm educação com a qualidade das escolas cubanas.
Como reproduzir práticas de países pequenos num país grande como o Brasil?
Por meio dos municípios. Os estados e municípios no Brasil têm autonomia para imprimir políticas públicas de ensino. O poder está muito mais nas mãos de autoridades locais. É uma loucura, aliás, pensar que o ensino fundamental está nas mãos do município, e o ensino médio é controlado pelos estados. Porque divergências de políticas públicas afetam a formação. Mas as unidades da federação onde há colaboração plena entre estado e municípios, como o Ceará, apresentam bom desempenho.
O governo federal fala em proibir “doutrinação ideológica” em sala de aula e estimula alunos a filmar professores que pregarem pensamentos da esquerda. Acha produtivo?
Não ajuda em nada. Mostre como isso vai melhorar a educação dos alunos. O Estado tem é que dar a melhor educação para as crianças. A receita para tal é filmar professores e denunciar doutrinações? Acho que é preciso ignorar essas coisas e tornar o sistema bom para todas as crianças. Os gestores têm que começar a implementar medidas que funcionem agora. Não há tempo para o que não ajuda.
Fonte: Extra