O mercado de produtos à base de princípios ativos das folhas maconha e do cânhamo segue avançando no Brasil, apesar de obstáculos regulatórios que têm dificultado o acesso a matérias-primas por empresas que estão se dedicando ao setor, segundo dados setorais.
Atento às discussões sobre uma possível flexibilização para uso medicinal, industrial e recreativo, o setor organiza em São Paulo nesta semana a primeira feira no país voltada para a divulgação de usos do cânhamo e dos princípios ativos presentes na folha da maconha.
A ExpoCannabis, prevista para iniciar na sexta-feira, contará com 140 empresas de 11 países em segmentos que vão desde medicamentos até produtos para construção civil. A expectativa de público, segundo os organizadores, é de 20 mil pessoas em três dias.
O evento chega pouco depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal com 5 votos a 1 favoráveis à liberação. Um pedido de vista feito pelo ministro André Mendonça em 24 de agosto adiou uma decisão.
“Qualquer tipo de discussão relacionada à descriminalização ou à abertura e regulamentação do mercado é importante. Foi uma mera coincidência, mas, para nós, soou como algo muito positivo pelo menos estarmos falando sobre esse tema no ano do lançamento da primeira edição aqui no Brasil”, disse Larissa Uchida, presidente-executiva da ExpoCannabis Brasil, organizadora do evento.
“Nosso foco é a planta e todas as indústrias que podem se desenvolver a partir dela. Essa desconstrução é importante e a feira vem com esse intuito de educar e informar, porque só assim vamos conseguir de fato progredir com mudanças na nossa sociedade”, acrescentou.
O segmento de produtos derivados de cannabis, ainda que não esteja totalmente regulamentado, começou a ganhar força no Brasil com a maior flexibilização da legislação para uso medicinal em 2015, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permitiu a importação de medicamentos derivados da planta para uso próprio com prescrição médica.
Segundo pesquisa de 2022 da Kaya Mind, empresa de dados especializada no setor de cannabis, o mercado canábico medicinal movimentou cerca de 130 milhões de reais em 2021 no Brasil, uma alta de 124% em relação à 2020.
De gota em gota, de bloco em bloco
A Just Hemp Brasil, empresa que participa da feira e atua na venda de derivados da planta para uso medicinal com prescrição médica, afirma ter registrado um crescimento exponencial de vendas a partir de julho de 2022. A companhia foi criada em 2020.
“Podemos dizer que pela primeira vez (em 2023) chegamos na casa de sete dígitos de faturamento. Nosso faturamento mensal aumentou quatro vezes (em relação a 2020). Até o momento esse crescimento foi puramente orgânico”, disse Kennedy Bacarin, sócio da empresa, que tem permissão da Anvisa para importação de medicamentos com princípio ativo da cannabis.
Pelo levantamento da Kaya Mind, o número de pacientes no Brasil que tiveram acesso a produtos importados à base de cannabis medicinal somou 91.161 no ano passado.
O número não inclui os pacientes que realizaram tratamento por meio de farmácias, que são aproximadamente 26.400, e por associações sem fins lucrativos, representando por volta de 70 mil.
Bacarin, porém, citou que a dificuldade de acesso aos tratamentos com prescrição de canabidiol e outros princípios ativos presentes na maconha no Brasil torna o processo mais custoso.
“Vimos com bastante tristeza a nota técnica publicada esse ano pela Anvisa”, disse ele, referindo-se à ação da Anvisa em julho, quando foi proibida a importação de qualquer parte da planta com foco nas “inflorescências”, que concentram os princípios ativos medicinais e psicoativos da cannabis.
Segundo a o levantamento da Kaya, o valor do mercado de maconha no Brasil pode atingir 26 bilhões de reais no quarto ano após uma regulamentação mais progressista, incluindo os três usos da planta (medicinal, recreativo e industrial). Deste total, cerca de 8 bilhões de reais seriam recolhidos na forma de impostos pelo governo, de acordo com a empresa. O mesmo informe aponta que o cânhamo industrial poderia movimentar 4,9 bilhões de reais.
E é precisamente o uso industrial do cânhamo a principal aposta da startup Hempower, criada neste ano e outra participante da feira.
A empresa foi fundada pelo engenheiro civil Rodrigo Segamarchi, de 27 anos e que desenvolveu tijolos de concreto à base de fibras de cânhamo e que podem ser utilizados na construção civil com menor impacto ambiental, segundo ele.
“Essa é uma indústria que sai do resíduo de outra indústria”, disse.
Durante a ExpoCannabis, a Hempower apresentará uma parede formada por 30 blocos. Entre os benefícios do material em relação aos blocos de construção tradicionais, segundo a empresa, estão o isolamento térmico e acústico, a manutenção da umidade do ar no ambiente interno e o sequestro de carbono, por se tratar de uma matéria-prima vegetal.
No entanto, o custo de produção e a falta de maquinário e mão de obra capacitada ainda são um problema que a empresa pretende reduzir, buscando parceiros para desenvolver pesquisas e captar investidores na Expocannabis.
“Não adianta eu querer ser o ativista maluco que quer salvar o mundo, preciso falar a lógica do mercado e introduzir o material, mostrar pesquisas, ciência e ter comunicação clara e efetiva”, disse.
*Com informações do site CNN Brasil