Robôs, drones, inteligência artificial, treinamento via mobile, games, realidade virtual, chatbots, ponto eletrônico com reconhecimento facial, people analytics. Aos poucos, todas estas novas tecnologias estão sendo incorporadas ao repertório dos profissionais de recursos humanos brasileiros. Mesmo que as empresas estejam em estágios diferentes de implementação dessas ferramentas, a transformação digital hoje é prioridade na agenda dos CEOs e, por consequência, dos gestores de pessoas que serão os agentes responsáveis pela condução da chamada revolução 4.0 em suas organizações.
Depois das áreas de marketing e financeira, chegou a vez do RH experimentar novos modelos de gestão que envolvem mais automação e análise de dados. “Para agregar valor para essa nova fase digital das companhias, o RH precisa também vivenciar essa transformação dentro do próprio departamento”, afirma Eduardo Marchiori, CEO da Mercer. É nesse sentido que caminham as companhias que se destacam nesta edição da pesquisa “As Melhores na Gestão de Pessoas” no anuário Valor Carreira. Neste ano, pela primeira vez, o estudo foi realizado pelo Valor em parceria com a Mercer.
A tecnologia tem contribuído para que o departamento de recursos humanos tome decisões estratégicas suportadas por dados financeiros, demográficos e comportamentais. “Hoje é possível fazer uma análise menos subjetiva do comportamento humano. Mesmo que a palavra final seja de um gestor, essas informações são agora o instrumento que o apoia”, diz o professor Luiz Roberto Carnier, da área de estratégia e governança corporativa da FGV Management.
O Itaú Unibanco, por exemplo, criou há dois anos uma área dedicada exclusivamente à engenharia de dados, com 150 cientistas. “Estamos vivendo uma era onde a utilização de dados está crescendo de forma exponencial. Se a gente souber usar de um jeito mais inteligente, vamos fazer produtos melhores, tomar decisões melhores e ser mais eficientes”, diz Sergio Fajerman, diretor executivo de RH do banco. Ele conta que foi montada também uma equipe de “people analytics” para apoiar a área de gestão de pessoas. “Existe um grande investimento em treinamento para a utilização dessas ferramentas na nossa área.”
Na Tereos, o diretor de RH, Carlos Leston Belmar, diz que a empresa está começando a usar uma ferramenta para a análise de comportamento de funcionários e candidatos no processo seletivo. “Com essa solução, vamos comparar os perfis de profissionais bem-sucedidos na empresa para sermos mais assertivos em nossas buscas e contratações.” O uso da tecnologia na área de recrutamento foi uma das aplicações mais citadas entre as empresas campeãs deste ano.
Há quem critique a busca de candidatos com base em perfis com boa performance, pois a seleção tenderá a ser mais homogênea. Mônica Hauck, CEO da Solides, uma HR Tech que fornece softwares para gestão de pessoas, ressalta que isso só acontece quando o cruzamento se atém a dados mais macros. “Quando se cruzam mais variáveis, é possível ter um nível de personalização maior”, explica. Os dados oferecem insumos para que a empresa trabalhe melhor a questão da diversidade, segundo ela. “A companhia percebe padrões e pode alterá-los se isso fizer parte da sua cultura e estratégia.”
O uso de inteligência artificial em atendimento on-line, o chamado chatbot, também é uma tendência que começa a despontar entre as empresas que se destacam na pesquisa. Algumas, inclusive, foram um passo adiante, personalizando e dando “vida” aos seus assistentes virtuais. A Bia (Bradesco Inteligência Artificial) foi testada em 2017 com os funcionários do banco e depois passou a atender também os clientes.
Ela usa computação cognitiva, baseada na plataforma Watson, da IBM, e interage com as pessoas, tirando dúvidas sobre produtos, serviços e canais. Em breve, segundo Andre Cano, vice-presidente de gestão de pessoas do banco, a Bia estará apta também a esclarecer dúvidas sobre recursos humanos e educação corporativa. “Estamos em fase de testes, mas esse projeto vai beneficiar cem mil funcionários do banco”, diz.
Na Tokio Marine, a “resolvedora” Marina vem sendo usada desde 2017 para tirar as principais dúvidas em relação a assuntos de recursos humanos. José Alberto Ferrara, presidente da empresa, conta que a inserção de códigos, somada à aplicação de técnicas de machine learning, a transformaram em uma ferramenta poderosa para a otimização de processos e ganhos de eficiência. “Ela é capaz de aprender, identificar expressões e interpretar contextos”, diz.
Marina tem 230 assuntos cadastrados e mais de 13 mil perguntas. Seu avatar foi construído a partir do voto dos próprios funcionários. “Ela acabou sendo mulher, japonesa, apaixonada por redes sociais, carismática, divertida e com linguagem despojada”, diz Juliana Zan, superintendente de RH da seguradora. Essa empatia pela assistente fez com que 60% dos funcionários tenham interagido pelo menos uma vez com ela desde a sua criação. O RH, por sua vez, reduziu em 60% o número de ligações ao departamento.
Processo semelhante está acontecendo na Eurofarma, que até o fim do ano vai disponibilizar para todos os funcionários o atendimento da chatbot Eva, que tira dúvidas rotineiras sobre questões de RH. “O robô responderá às perguntas, evitando que as pessoas liguem e fiquem sem resposta”, diz Mikiko Inohue, vice-presidente de RH.
Na prática, a intenção é que os departamentos de gestão de pessoas usem as novas ferramentas tecnológicas para ter mais tempo para realizar planejamentos estratégicos, deixando as máquinas realizarem os procedimentos burocráticos. “As novas tecnologias trazem maior agilidade na rotina, melhoram a experiência do profissional e contribuem para a simplificação dos processos, reduzindo o índice de erros”, diz Veronika Falconer, diretora executiva de administração, recursos humanos e comunicação corporativa da Takeda no Brasil e na América Latina. A empresa automatizou a folha de pagamento, o reembolso e o ponto eletrônico e adotou softwares para fazer a gestão dos funcionários, além de games voltados para o aprendizado, entre outras tecnologias.
Quando o RH está a par da estratégia que a empresa quer traçar para o futuro, mesmo em um cenário incerto, fica mais fácil fazer uma gestão de pessoas mais eficiente. “É preciso olhar para dentro e pensar quais habilidades a sua força de trabalho vai precisar no curto e no médio prazo para a empresa sobreviver e continuar prosperando”, diz Marchiori, da Mercer. Com esse mapeamento, é possível saber quais áreas serão mais impactadas pela digitalização, quem deve ser requalificado e se será preciso trazer pessoas de fora. Dessa forma, os RHs vão poder direcionar melhor treinamentos e até movimentar pessoas de funções para que exista uma melhor utilização de suas competências.
Na Telefônica, a vice-presidente de pessoas, Niva Ribeiro, diz que a maneira como a empresa discute o trabalho vem mudando por conta da adoção de mais tecnologias. “O nível de contribuição dos profissionais, quando tiramos deles o trabalho mais operacional e transacional, aumenta e agrega mais valor e inteligência ao negócio”, diz. A partir disso, ficou mais fácil movimentar as pessoas para novas carreiras, discutir os conhecimentos e as habilidades necessárias para o momento da empresa.
“O profissional de hoje precisa ser versátil para adquirir novas competências e a empresa precisa estar atenta para facilitar isso”, diz Jorge Tavares de Almeida, gerente corporativo de recursos humanos da Protege. Ele acredita que a avalanche da informatização hoje acontece com ondas de diferentes intensidades e que os profissionais precisam continuar surfando nelas. “A qualificação será permanente.”
Para convencer os funcionários da importância de eles embarcarem nessa jornada digital, é preciso ter uma comunicação clara e objetiva de aonde se quer chegar. “A primeira requalificação que fizemos foi trabalhar o mindset das pessoas para que elas recebessem o novo sem resistências”, diz Débora Abade, gerente de recursos humanos da Vix Logística. Ela diz que ao implementar novas tecnologias houve uma preocupação imediata em habilitar os usuários aos sistemas.
Nessa comunicação, o gestor direto tem um papel importante no convencimento da força de trabalho, afinal ele será o protagonista no desenvolvimento da equipe. “Nessa mudança de modelo de negócio é preciso também requalificá-lo para que ele seja líder dos processos, e não apenas um alocador de recursos por necessidade. Ele precisa exercer um papel mais tático”, diz Anderson Sant’Anna, professor da área de comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral (FDC).
“As novas tecnologias influenciam na transformação e no entendimento da gestão como um todo, permitem a conectividade entre os departamentos e ajudam a acabar com os silos dentro da empresa”, diz Leonardo Yoshii, presidente da A. Yoshii. Ele diz que a TI hoje está conectada a todas as áreas da empresa, inclusive à de pesquisa e desenvolvimento. Na WEG, o diretor de RH, Hilton José da Veiga Faria, diz que a inclusão de tecnologias para pesquisar tendências e examinar mercados, novos modelos de negócio, de estrutura e gestão tornou necessária uma maior conexão entre as várias áreas da empresa. “Precisamos manter nossas equipes atualizadas e com novos conhecimentos”, diz.
É fato que as conexões hoje extrapolam os muros das companhias. As parcerias de grandes empesas com startups, por exemplo, criam um novo desafio para o RH, que precisa criar um ambiente inclusivo para atores cada vez mais heterogêneos que passaram a atuar nas organizações. “Com essa maior pulverização nas fronteiras, caberá ao RH integrar os diferentes elementos organizacionais”, diz Sant’Anna, da FDC.
O professor lembra também que o mercado caminha para uma “desfronteirização das profissões” – não ficará mais claro onde uma função termina e outra começa -, além de uma flexibilização cada vez maior das relações de trabalho. “A tendência é uma mudança na própria noção de carreira e o RH vai ter que lidar com isso também”, afirma. A questão, segundo ele, é como será possível manter o engajamento e o comprometimento de quem vai poder ter dois ou três empregos ao mesmo tempo, por exemplo.
Para a CEO da Kles, Marcele Vardiero, a transformação digital pode ser uma forma de criar uma identidade na qual o colaborador externo se sinta inserido. “No futuro as empresas vão perceber que seu principal acervo são pessoas engajadas, comprometidas e que vivenciam intensamente cada resultado conquistado.” O diretor de RH da Pormade, Rafael Gregori Jaworski, acredita que criar e manter um excelente ambiente de trabalho não será mais um diferencial competitivo, mas uma característica fundamental para a existência de qualquer empresa no futuro.
Valorizar o conhecimento que existe na organização e usar a tecnologia para compartilhá-lo pode ajudar na consolidação da marca empregadora. Na Shattdecor, Carla Mendes, gerente executiva-financeira, conta que desenvolveu ferramenta de compilação e disseminação do conhecimento digitalmente. “Ela está sendo apresentada aos funcionários de todas as localidades onde atuamos”, explica. Por trás da digitalização está o conhecimento dos processos atuais que estão sendo digitalizados. “Não há recurso tecnológico que substitua o ser humano por completo. Em muitos cenários, ele permanecerá, mesmo que seja nos bastidores”, diz Jorge Tavares de Almeida, do grupo Protege.
Incluir o efetivo nessa transformação por meio de uma readequação às novas funções é uma forma de preservar o conhecimento da companhia. Foi o que fez a SLC Agrícola, segundo Déa Machado, gerente de recursos humanos. Para implementar as profundas mudanças em prol de uma agricultura mais digital, foi preciso redesenhar processos e reestruturar cargos e competências e investir em aprendizagem. “Criamos o Programa de Inclusão Digital voltado para os técnicos e operadores do campo que não entendem o mundo digital”, diz. Assim, ela diz que a empresa procura democratizar o uso da tecnologia. Até novembro, a intenção é que o programa chegue a 60% de suas unidades.
Na Cofco, que também está avançando no uso de tecnologias agrícolas, João Augusto de S. Castro, diretor de recursos humanos da empresa para Brasil e Colômbia, diz que a mecanização dos trabalhos de plantio e colheita e o uso de técnicas com adensamento de plantações, controle biológico de pragas e fertilização biotecnológica vão exigir treinamentos constantes. “No futuro, o empregado ‘carregador de peso’ vai perder espaço para o funcionário capaz de navegar no mundo dos aplicativos”, diz.
Valmir Buscarioli, vice-presidente de RH da Electrolux para a América Latina, acredita que a gestão de pessoas tende a ser cada vez mais compartilhada com o próprio funcionário. “Ele terá mais autonomia e protagonismo sobre sua carreira e desenvolvimento”, afirma. Algumas tarefas que eram realizadas pelo RH passarão, com o uso de mais tecnologia, a ser realizadas pelo próprio gestor de equipe. “O RH tradicional está sendo pressionado para mudar a sua forma de fazer gestão”, diz Mônica Hauck, da Solides. A questão geracional e a chegada da geração Z às companhias é outro fator que exerce pressão. “Os jovens são rápidos, querem interfaces mais atraentes, então é preciso modernizar as práticas. Não dá para ser jurássico com eles”, diz.
A maneira como a gestão de pessoas está se transformando é um caminho sem volta. “Não acreditamos que as novas tecnologias se bastam sem o olhar ampliado para as pessoas e para a diversidade”, diz Roseli Mota, gerente de desenvolvimento humano e organizacional da Adecoagro. “O fundamental é que os funcionários vejam significado no seu trabalho e tenham certeza de que estão crescendo e contribuindo para o crescimento da empresa.”
Fonte: https://www.valor.com.br