De Norte a Sul, várias empresas reinventaram-se e apostaram em produtos como máscaras, viseiras, batas hospitalares, óculos e gel desinfetante. “Foi a tábua de salvação” para o tecido industrial.
ACovid-19 apareceu há um ano em Portugal e foram várias as empresas que se reinventaram em tempos de pandemia. Com o primeiro confinamento vários setores de atividade viram o seu negócio paralisar por completo e decidiram adaptar as linhas de produção para responder às necessidades do mercado decorrentes da pandemia.
Máscaras certificadas, batas hospitalares, óculos de proteção, viseiras e gel desinfetante foram algumas das apostas do tecido industrial português para colmatar os efeitos da pandemia. Numa fase inicial, foram várias as empresas que se juntaram a esta onda solidária, mas algumas continuaram a apostar fortemente neste nicho de negócio, como é o caso da Science4You, Wild Planet, Suavecel, Crivedi, Inarbel, Culto da Imagem e Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito.
As empresas portuguesas aproveitaram o know how, as máquinas, os recursos humanos e, acima de tudo, a resiliência para enfrentar esta pandemia que veio provocar danos imensuráveis no tecido industrial português. Este é o exemplo da Science4You.
A empresa portuguesa que produz e comercializa brinquedos científicos e educativos para crianças, reinventou-se em tempos de pandemia e logo numa fase inicial começou a produz óculos e gel na sua fábrica de brinquedos, para minimizar os impactos na quebra de faturação.
Science4You reinventou-se para produzir óculos e gel na fábrica de brinquedos
O CEO da Science4You, Miguel Pina Martins, conta ao ECO que já produziam os óculos para os brinquedos e o que fizeram foi adaptá-los para responder aos desafios da pandemia. Em relação à produção de gel desinfetante, explica que foi necessário converter uma parte significativa dos recursos internos — engenheiros, cientistas, business developers — para passarem a produzir este produto.
Desde março do ano passado, a Science4You já produziu cerca de 500 mil litros de álcool em gel e cerca de 400 mil pares de óculos para profissionais de saúde, bombeiros, proteção civil, lares e pessoas que estejam em contacto com doentes de alto risco.
O álcool em gel e os óculos representaram 25% do volume de negócios da Science4You, o ano passado. Miguel Pina Martins garante que vão continuar a apostar neste nicho de mercado, embora com uma produção menor.
“O mercado dos brinquedos não está na sua melhor performance, não há festas de aniversário, as lojas estão fechados, não se pode vender nos hipermercados. Os brinquedos são um mercado que em grande depressão. Enquanto as lojas estiverem fechadas, estamos a tentar manter este nível de reinvenção”, explica o o CEO da Science4You.
Miguel Pina Martins adianta que apostar nestes dois produtos foi uma espécie de tábua de salvação. “Foi uma forma de evitar despedimentos. Esta reinvenção foi um instinto de sobrevivência“, conta.
Ainda dentro do segmento dos brinquedos, a Wild Planet também viu no negócio das máscaras e gel desinfetante uma oportunidade de negócio. Esta empresa portuguesa, que produz peluches na Turquia, Siri Lanka e China, recorreu aos mesmos fabricantes para fazer máscaras médicas. O presidente executivo explica que um dos motivos da aposta foi o facto de, durante a pandemia, se ter deixado de vender peluches. “Os nossos fabricantes de tecidos, que também eles tiveram de se reinventar, começaram a produzir o tecido das máscaras — o tecido não tecido (TNT) — e em março já estávamos a vender máscaras”, conta Pedro Kleinsteuber.
Os brinquedos são um mercado em grande depressão. Enquanto as lojas estiverem fechadas, estamos a tentar manter este nível de reinvenção.
Para além das máscaras, a Wild Planet apostou também na produção de gel desinfetante através de uma parceira com uma empresa no Norte e outra em Espanha. A aposta nestes dois produtos representou 95% do volume de negócios da WildPlanet. “Foi uma boa aposta termos reagido. Conseguimos manter o mesmo nível de faturação, embora as margens sejam mais reduzidas”, diz Pedro Kleinsteuber.
A acrescentar às máscaras e ao álcool em gel, a empresa importou termómetros infravermelhos e é representante de uma empresa holandesa de testes Covid igg e igm e antigénio. “Tentámos safar-nos com tudo o que havia no combate à Covid e foi uma forma de não perdermos o ano”, conclui o CEO da Wild Planet. Pedro Kleinsteuber revelou ao ECO que, quando passar a pandemia, vão criar uma empresa de produtos de proteção individual.
Também a Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito (ACVCA) apostou na produção de gel para fins sanitários, desde o início da pandemia, a partir da aguardente. Um ano depois e com 15 mil litros de desinfetante produzidos, a cooperativa continua a apostar neste nicho de negócio. Até criou um laboratório, no mês de junho, exclusivamente para este fim.
O gel desinfetante é vendido para instituições locais como Instituição Particular de Solidariedade Social, ao consumidor final através da loja da Cooperativa e para as unidades locais de saúde do Baixo Alentejo. David Borges, coordenador de enoturismo da ACVCA, refere que a inovação não ficou para aqui e que a Adega Cooperativa produziu mesmo um álcool gel com odor a laranja.
Da transformação de papel à produção de máscaras e toalhitas desinfetantes
A Suavecel, que produz e transforma papel, é outro exemplo de uma empresa que se reinventou em tempos de pandemia. Da produção de papel higiénico, rolos de cozinha, lenços de papel e guardanapos, apostou noutro nicho de negócio — as máscaras e as toalhitas desinfetantes.
Apesar de ainda continuar a produzir papel, a Suavecel, que pertence ao grupo Ghost, acabou de investir 15 milhões na produção de equipamentos de proteção individual (EPI) para responder a uma nova necessidade. Deste montante cerca de dez milhões de euros foram usados na compra de três máquinas para produzirem estes produtos. “Deparámo-nos com uma realidade cada vez mais presente no nosso dia-a-dia: a utilização dos equipamentos de proteção individual (EPI)”, disse à Lusa o proprietário do grupo Ghost.
A produção começou no início deste ano e, atualmente, a empresa está a fabricar 600 máscaras por minuto, o que dá um total de 36 mil por hora e 864 mil por dia, ao longo dos três turnos. “São 51 milhões de máscaras por mês para adulto e crianças”, conta Nuno Ribeiro. Em relação às toalhitas desinfetantes, a produção atinge cerca de 180 mil packs/dia, a um ritmo de 120 unidades por minuto.
A produção destes dois produtos ganhou destaque e atualmente o grupo Ghost já exporta as máscaras e as toalhitas para 24 países em quatro continentes.
O negócio das máscaras e dos seus sucedâneos foi a tábua de salvação para muitas empresas mesmo sem serem do setor têxtil. A Culto da Imagem é apenas mais um exemplo. A empresa de publicidade começou a produzir viseiras em março do ano passado, posteriormente fixadores para máscaras com as sobras das viseiras, até chegar às bolsas para as máscaras. A empresa readaptou-se em tempos de pandemia e este nicho de negócio representou 60% do seu volume de negócios o ano passado.
Para André Ferreira, sócio gerente da Culto da Imagem, a aposta foi a “salvação” da empresa. “Felizmente tínhamos as máquinas para produzir isto tudo e aproveitámos esta oportunidade para conseguir sobreviver às quebras”, explica ao ECO.
Do vestuário tradicional à produção de batas hospitalares
A adaptação as linhas de produção ao fabrico de máscaras comunitárias certificadas e batas hospitalares foi a “salvação” de muitas empresas do setor têxtil.
Foi através da aposta no nicho máscaras comunitárias que a têxtil Crivedi conseguiu dar a volta à crise e até crescer 15% num ano marcado pela pandemia. Passado quase um ano, as máscaras certificadas pelo Citeve representam 50% do volume de faturação desta empresa da Trofa. O presidente da têxtil, António Archer, reconhece que “2020 foi um ano francamente bom devido à aposta nas máscaras”. Atualmente já venderam mais de dois milhões e meio de máscaras sociais.
A Inarbel é outro exemplo. A empresa que produz vestuário de criança, homem e senhora passou também a produzir batas hospitalares reutilizáveis, sendo que 90% da produção tem como destino Espanha. Para o CEO, José Armindo Ferraz, esta aposta foi uma espécie de “balão de oxigénio”. Os “clientes tradicionais de private label reduziram significativamente as suas encomendas e alguns até anularam por completo”, o que levou a empresa a afinar o rumo.
2020 foi um ano francamente bom devido à aposta nas máscaras.
Foi necessário comprar maquinaria no valor de 400 mil euros para a produção de batas hospitalares, mas se não tivessem encontrado esta alternativa, o impacto seria “brutal”, reconhece José Armindo Ferraz. Este segmentou representou entre 30 a 40% do volume de negócios e assim foi possível evitar recorrer ao lay-off total. Foram “muitos dias a pensar, muitas noites sem dormir, horas ao telefone, a estabelecer contactos, para conseguir dar a volta à situação”, conta o presidente executivo da Inarbel.
Também a MO, que pertence ao grupo Sonae, apostou na produção de máscaras que, no final do ano passado, já representava 10% do volume de negócio da empresa.
Tecnológicas passaram a trabalhar ainda mais remotamente
Para além dos setores tradicionais, as empresas tecnológicas também tiveram de reinventar-se. A Blip, que nasceu na cidade do Porto em 2009, mal imaginava que, passado pouco mais de uma década, iria ter praticamente todos os colaboradores (375) em teletrabalho. Desde março do ano passado, tem apenas cinco pessoas a trabalhar presencialmente de forma rotativa, ou seja, estão apenas duas a três pessoas no escritório em simultâneo.
A employee experience manager da Blip, Mariana Ferreira, conta ao ECO que, há cerca de um ano, praticamente todos estão em teletrabalho, com a exceção dos colaboradores que fazem parte de equipas de apoio ao escritório ou de suporte tecnológico. Em relação a adaptação, Mariana Ferreira garante que não foi um processo complicado, tendo em conta que a empresa já permitia aos colaboradores trabalharem alguns dias por semana a partir de casa. Houve “necessidade de alterar algumas formas de trabalhar”, reconhece, mas foi um processo que aconteceu de uma “forma bastante natural”, assegura.
Apesar do balanço do teletrabalho ser “positivo” e de continuarem a dar flexibilidade de horários mesmo numa fase posterior da pandemia, a empresa não quer passar a ser 100% remota, porque valorizam o contacto entre as pessoas. Para garantir que a cultura da empresa não se perde, as equipas continuam a ter reuniões, atividades, sessões de mindfulness, jogos e encontros online.
Como a pandemia está a levar a um desgaste mental dos colaboradores, a tecnológica permite flexibilização de horários, criaram o Employee Assistance Programme, um serviço gratuito de apoio e assistência profissional em várias áreas, como a psicológica e social, disponível para todos os trabalhadores e respetivos agregados familiares e implementaram também uma nova política de férias flexíveis que permite aos colaboradores gozarem até 30 dias de férias por ano, de acordo com a sua antiguidade na empresa.
Neste mundo tecnológico, o futuro é híbrido mas o teletrabalho faz parte dos planos para este ano. Para a Natixis, fintech com sede no Porto, o teletrabalho já era uma prática comum antes da pandemia. Atualmente, a empresa tem mais de mil colaboradores e todos estão em regime de teletrabalho, um processo foi “bastante natural”.
A pandemia permitiu criar novos processos e algumas das práticas vão passar a fazer parte do dia-a-dia da empresa, mesmo no regresso a um contexto “normal”.
Em termos de evolução/transformação de processos, o balanço na Natixis é bastante positivo. De acordo com o diretor de recursos humanos da Natixis em Portugal, a pandemia permitiu criar novos processos e algumas das práticas vão passar a fazer parte do dia-a-dia da empresa, mesmo no regresso a um contexto “normal”. “Com esta aceleração digital, descobrimos novas formas de sermos mais eficazes e de tirarmos proveito de todas as ferramentas que temos à nossa disposição. Foi o momento perfeito para testarmos soluções que, noutra situação, ficariam mais algum tempo na gaveta”, reconhece Maurício Marques.
Para a Loop Co 2020 foi um ano de “transformação ao quadrado”
Antes de a pandemia assombrar o mundo, a Loop Co. teve de reinventar o seu negócio ainda em 2019. A empresa na altura chamada Book in Loop revendia manuais usados, através de uma parceria com o grupo Sonae. Em 2019, na sequência da decisão do Governo de oferecer manuais escolares novos aos alunos de todos os ciclos de ensino, a startup foi obrigada a repensar o seu modelo de negócio e, claro, a sua razão de existir.
O resultado foi a Loop OS (operative system), a Loop Lab, maioritariamente orientado para e-commerce para retalho e a Loop Analytics, dedicada à consultoria em data engineering e data science. Para o cofundador e CEO da startup The Loop Co, a transformação do negócio foi motor de crescimento da equipa.
A faturação, que rondava os 900 mil euros em 2019, triplicou para 2,7 milhões de euros em 2020. E João Bernardo Parreira acredita que este valor chegará aos 4,5 milhões de euros em 2021.
2019 já foi um ano de desafios para a startup e 2020 não foi diferente. João Bernardo Parreira conta que 2020 foi um “ano duro” e que nos primeiros dois ou três meses de pandemia, a palavra de ordem foi “sobreviver”.
Para o CEO desta startup de Coimbra, um dos maiores desafios da pandemia foi o onboarding — conhecido como socialização organizacional. “O onboarding é só a cultura, e quando falo na preocupação de manter um onboarding de qualidade, não se trata de nenhum tipo de característica técnica ou desse género”, explica João Bernardo Parreira.
O cofundador e CEO da startup The Loop Co — que se tornou num dos empresários mais jovens de Portugal — conta que a missão passa por manter um onboarding de qualidade em termos de cultura. Exemplifica que quando a equipa está todo no escritório, acaba por passar de forma natural essa cultura. “Quando fazemos isso a um ritmo tão grande, corremos o risco de a mensagem sair fora do controlo”, destaca.
Fonte: ECO